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Justiça Federal mantém suspenso licenciamento de porto que afetará comunidades quilombolas de Santarém


O Lago do Maicá, além de ser berçário de muitas espécies de peixes, é também fonte de renda e trabalho para comunidades que vivem no seu entorno./ Foto por Bob Barbosa

O juiz da 2ª Vara Federal de Santarém, Érico Pinheiro, manteve a decisão liminar de 2016 que estabelecia a suspensão do processo de licenciamento ambiental para a instalação de um terminal portuário da Empresa Brasileira de Portos de Santarém (Embraps) no lago Maicá. Com a decisão publicada neste dia 5 de outubro, o projeto do porto na margem direito do Rio Amazonas só poderá ser retomado após ser realizado o processo de Consulta Prévia, Livre e Informada das comunidades quilombolas da cidade.

O juiz também estabelece que o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental apresentado pela empresa sejam retificados, de modo a considerar a presença de comunidades tradicionais na região que será afetada pelo porto.

A decisão é resultado de uma Ação Civil Pública (ACP) movida pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual contra a União, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e a Embraps. A ACP foi apresentada em 2016, após denúncias realizadas pela Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS) e pela Terra de Direitos sobre ilegalidades no projeto. O Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da obra apresentado pela empresa em 2015 não reconheceu a existência de comunidades quilombolas na área afetada.

Além disso, a Antaq já havia habilitado a Embraps para a construção do porto, antes mesmo que os quilombolas fossem previamente consultados. A falta de consulta prévia viola a determinação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, um tratado internacional ratificado pelo Brasil que estabelece que comunidades quilombolas, indígenas e povos e comunidades tradicionais sejam previamente consultados sobre obras que afetarão seus territórios e seus modos tradicionais de vida.

Advogado popular da Terra de Direitos que acompanha o caso, Ciro Brito destaca a importância dessa decisão, que se torna ainda mais emblemática com o avanço de outros projetos portuários previstos para o Maicá. Além do terminal da Embraps, há a proposta de construção de um porto da empresa Atem’s na região. Em setembro, o MPF também recomendou à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) a suspensão das licenças que garantem a instalação do terminal. “Esse tipo de decisão representa uma maior visibilização de quilombolas e comunidades tradicionais da cidade”, avalia. “Ela também cria precedente para indicar que, caso outros empreendimentos venham se instalar sem a consulta prévia a esses grupos, o Poder Judiciário decidirá pela suspensão do projeto”.

Violações e resistência

A instalação do porto na região do Maicá faz parte de um mesmo pacote de grandes obras previstas para o Pará para o avanço do agronegócio que são relacionados a uma série de violações de direitos humanos e de devastação ambiental – como os incêndios na Amazônia. A previsão da Embraps é de que, somente no primeiro ano de funcionamento, 4,8 milhões de toneladas de grãos de soja possam ser exportadas pelo porto instalado no Maicá, grande parte vinda da região Centro-Oeste do Brasil por meio da BR 163 e da Ferrogrão, um projeto de ferrovia que ligará a cidade de Sinop (MT) até Itaituba (PA). Para que o projeto da Ferrogrão seja executado, a obra passará dentro de terras indígenas e áreas de preservação. Não à toa ruralistas organizaram o ‘Dia do Fogo’ na Amazônia nas áreas próximas do projeto.

Todos os 12 quilombos de Santarém serão afetados pelo porto da Embraps, uma vez que todas as comunidades da cidade estão localizadas às margens do Rio Amazonas ou usufruem de algum braço do rio.

"Entendemos que é muito válida essa decisão. O rio é de onde tiramos nosso sustento, o alimento. Com esse porto eles dizem que não vai ter impacto, mas a gente sabe que o impacto vai ser muito grande. Esperamos que eles possam fazer essa consulta nas comunidades como determina a convenção 169", diz Raimundo Benedito da Silva Mota, quilombola da comunidade do Tiningu em Santarém e da coordenação da organização estadual quilombola Malungo baixo amazonas.

Para exigir que seus direitos fossem respeitados, as comunidades quilombolas da cidade produziram em 2016 um Protocolo de Consulta Prévia, elaborado com assessoria da Terra de Direitos. O processo de produção do documento e a resistência dos quilombolas contra a violação de seus direitos está retratada no documentário Protocolos de Consulta no Tapajós: experiências ribeirinhas e quilombolas



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Ações: Impactos de Megaprojetos, Empresas e Violações dos Direitos Humanos

Eixos: Terra, território e justiça espacial