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Quilombo João Surá (PR) reivindica avanço no processo de regularização fundiária do território tradicional


Lideranças destacam necessidade de desburocratizar processo de titulação da comunidade que possui áreas de domínio do estado, da União e de particulares. 

  Comunidade luta há décadas para obtenção do título do território tradicional. Foto Samira Neves

  

Em reunião com diversos órgãos públicos do Paraná lideranças da Comunidade quilombola João Surá (PR) reivindicam o avanço do processo de regularização fundiária. Em agenda realizada na capital, no dia 27 de março, a comunidade expôs os impactos da morosidade do processo de titulação fundiária para as famílias e a necessidade de agilidade na resposta do poder público para os obstáculos postos no processo.  

Localizada em Adrianópolis, a comunidade foi certificada pela Fundação Palmares em 2005 e no ano seguinte deu abertura no processo de regularização no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A última etapa concluída foi a publicação da Portaria de Reconhecimento da comunidade, em 2016.  

A lentidão tem afetado o acesso à políticas públicas pelas famílias, como apoio na produção de alimentos, e contribui com a evasão do território tradicional, aponta a liderança Antônio Carlos de Andrade Pereira. “A partir de 2005 para cá a gente vem lutando por políticas públicas, e, por não ter a liberdade no território e espaço titulado a gente não tem avanço nos territórios. As famílias ali não têm conseguido utilizar o território. Se não tem território, não tem como desenvolver produção, se as famílias não têm área para plantar tem que emprestar área de vizinho, de fazendeiro. Sem território não tem como produzir”, enfatiza. Ele relata que a comunidade já chegou a ter 90 famílias. Em razão das dificuldades de permanência no território - potencializadas pela ausência do título - fez reduzir para até 26 famílias. Hoje são 58 famílias presentes no território.  

O relato da liderança foi partilhado durante diálogo com representantes da Superintendência Geral de Diálogo e Interação Social, Secretária-Executiva da Comissão Estadual de Mediação de Conflitos Fundiários do Paraná, Instituto Água e Terra, Secretaria de Estado da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa, Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento, Incra e com o mandato do Deputado Estadual Goura (PDT). 

Agenda reuniu lideranças da comunidade e representantes de órgãos do estado. Foto: Comunicação Terra de Direitos

Normativa de atuação intergovernamental 
Além da morosidade no avanço das etapas, a atuação descentralizada dos órgãos do Paraná para as diferentes modalidades de áreas do território contribui para os lentos passos na regularização fundiária. Isto porque o território tradicional é composto por áreas de domínio da União e outras do Estado do Paraná. Nas áreas de domínio do estado houve uma espécie de fatiamento do território tradicional. Há áreas de domínio do Estado que foram destinadas para particulares e têm sido objeto de investigação por irregularidades e áreas acompanhadas por diferentes órgãos (veja mapa), como Instituto Água e Terra, Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná e Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento. 

É frequente que a atribuição de regularização fundiária dos territórios quilombolas envolva órgãos tanto da União quanto de estados. Tendo como diretriz o Decreto 478/2003, que trata da regularização fundiária quilombola, estados como São Paulo, Minas Gerais e Pará possuem órgãos com competências específicas na titulação dos quilombos, o que tem contribuído para avanço dos processos. “O estado do Paraná não possui portaria ou instrução normativa que trate especificamente da atribuição dos órgãos estaduais na regularização fundiária quilombola”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Kathleen Tiê. A organização assessora a comunidade no processo fundiário.  

O problema no Paraná reside no fato de que as regras e dinâmicas próprias de cada órgão estadual não dialogam entre si. Para superar a atuação descentralizada a organização defende a instituição de uma diretriz única para organizar as operações destes institutos e órgãos. “O estado do Paraná deve dar respostas específicas de regulamentação da forma como estes órgãos e institutos responsáveis por titulação quilombola ajam de forma complementar, parceira e síncrona para que a comunidade não deva adivinhar a forma como deve acessar a própria titulação”, destaca a assessora jurídica. A ausência de uma diretriz centralizada faz com que, por exemplo, os órgãos estaduais não saibam responder por quais áreas são responsáveis e como dar tratamento as demandas comunitárias.  

Em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), o Projeto de Lei 770/2023, que determina que o estado transfira terras devolutas estaduais para comunidades quilombolas que tem seus territórios tradicionais sobrepostos total ou em parte das terras públicas, não atende ao conjunto de modalidades de áreas de João Surá. 

A elaboração de uma normativa que trate da atuação entre órgãos no processo de titulação é pauta defendida pela organização em reunião a ser realizada no dia 17 de abril. A proposta foi validada na reunião de março e será objeto de construção por um grupo de trabalho. 

 



Ações: Quilombolas

Eixos: Terra, território e justiça espacial