Vara agrária reconhece direito de comunidade tradicional e nega despejo da Vila Brasil, em Santarém (PA)
Franciele Petry Schramm
Uma decisão da Vara Agrária do Tribunal de Justiça do Pará publicada neste dia 19 de fevereiro negou a ação de reintegração de posse movida por uma particular contra a comunidade extrativista Vila Brasil, localizada dentro do Projeto de Assentamento Agroextrativista Lago Grande, em Santarém (PA). Agora, as famílias da comunidade tradicional garantem o reconhecimento do uso coletivo da terra e o direito de permanecerem no local.
A ação teve início em 2007, quando uma servidora pública entrou com um pedido de reintegração de uma área de mais de 80 hectares, onde vivem cerca de 80 famílias da Vila Brasil. Apesar de na área estarem casas das famílias, escola, clube e cemitério, a autora da ação alegou ter posse da área. Para comprovar isso, a servidora chegou a apresentar a declaração do Cadastro Ambiental Rural (CAR) da área, um registro público eletrônico de imóveis rurais feito de maneira auto declaratória – ou seja, as pessoas declaram os limites de seus imóveis sem que haja vistoria.
No entanto, na sentença, o juiz Manuel Carlos de Jesus Maria considerou que a autora da ação não conseguiu comprovar a posse ou propriedade do local. “Logo, observa-se, à luz do direito agrário, que a requerente, não era possuidora direta do bem, conforme contrato de comodatos apresentados aos autos, como não ostentava tal condição, não exercia a chamada posse agrária”, declarou.
Para o advogado popular da Terra de Direitos que acompanha o caso, Pedro Martins, o processo traz o importante debate sobre o valor do CAR dentro de ações possessórias. “O juiz reiterou em sentença que o CAR por si só não pode comprovar posse, haja vista que ele é auto declaratório. A autora que não comprovou posse, elaborou o CAR já com o processo em andamento como forma de tentar provar a posse e ainda acusava a comunidade tradicional de invasão. A Vila Brasil pode comemorar mais um episódio de resistência de uma comunidade tradicional do Rio Arapiuns”, comemora.
O caso foi acompanhdo em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR) e Federação das Associacões de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (Feagle).
Vitória da comunidade
A sentença marca o processo que ameaçou por mais de 10 anos a permanência dos moradores da Vila Brasil no território. A ação também levou ao judiciário o debate sobre o direito coletivo da terra.
A ação movida em 2007 envolvia um conflito envolvendo a autora e outras duas famílias da comunidade, e transitou inicialmente na Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, onde transitam causas de menor complexidade. Na época, uma liminar da Vara chegou a determinar a reintegração de posse, que não foi cumprida. A decisão foi suspensa em maio de 2019, quando o Tribunal de Justiça reconheceu que o caso se tratava de um conflito coletivo envolvendo uma comunidade tradicional e determinou que o processo fosse deslocado para a Vara Agrária.
Após a suspensão, a autora da ação fez a inscrição do CAR mas, em julho de 2020, a Vara Especializada Agrária determinou a suspensão do registro, pois considerou que, com o CAR ativo, a servidora poderia solicitar licenças ambientais ou até financeiras, como de crédito e transporte de animais.
Para o advogado popular da Terra de Direitos, esse caso só reforça a necessidade de maior transparência fiscalização do CAR. Existem milhares de Cadastros ativos sem processo de validação. Enquanto não for verificado cada cadastro, o CAR estará facilitando a grilagem de terras no Brasil", complementa.
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