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Cadastro Ambiental Rural sobreposto à Comunidade Tradicional Vila Brasil (PA) é suspenso por decisão judicial


Vara Agrária reconhece que registro ativo possibilita acesso à politicas públicas à autora que reivindica judicialmente a área onde residem 46 famílias.

Cerca de 46 famílias residem na área em disputa judicial. Foto: STTR Santarém

A Vara Especializada Agrária de Santarém (PA) determinou, na sexta-feira (24), que o registro do Cadastro Ambiental Rural (CAR) da parte que reivindica posse de área onde residem atualmente 46 famílias, na Comunidade Vila Brasil, em Santarém (PA), fosse suspenso. A decisão acolhe pedido feito pela Associação de Moradores e Produtores Rurais e Agroextrativistas de Vila Brasil à Vara Agrária.

Na decisão, a Vara Especial reconheceu que a manutenção do Cadastro Ambiental Rural como ativo garantiria à autora do registro “repercussões ambientais (como requerimento e aprovação de licenças ambientais na área), financeiras (acesso à credito bancário), agropecuárias (emissão de guia de transporte animal), entre outros”, aponta um trecho da decisão. Isto quer dizer que a autora da ação que reivindica judicialmente a área onde residem as famílias poderia, com o cadastro ativo no Sistema da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) e sob resguardo da licença emitida pelo Estado, ter acesso à políticas públicas e intervir na área na qual a posse do imóvel ainda está em julgamento.

Outro agravante trata-se de que a inscrição no Cadastro Ambiental Rural pela autora foi anexada, no dia 30 de agosto, ao processo de reintegração da área como comprovante de posse. Ocorre que, como registro de autodeclaração, o Cadastro Ambiental Rural não se configura como documento comprovante de posse de área, como ressalta o Código Florestal (Lei 12.651). Isto porque o instrumento apenas registra dados de extensão e localização dos imóveis e não dados como cultivo, uso do solo e desenvolvimento de obras na área, elementos que auxiliam pra melhor análise de quem reside de fato no imóvel em disputa judicial. A autora inclusive, durante julgamento, relatou que nunca residiu na área que reivindica.

Outro destaque é que no dia 10 de maio, antes da inscrição do registro da área no CAR pela autora da ação judicial, o Tribunal de Justiça do Pará reconheceu que o conflito pela disputa da área envolve, de um lado, a autora e, de outro, um coletivo que estabelece o uso comum da terra. Com isso o desembargador Constatino Augusto Guerreiro determinou que o processo, antes tramitando na Vara Cível, fosse deslocado para a Vara Especializada Agrária.

“O registro no CAR pela parte autora foi feito durante processo de instrução de reintegração de posse para que ela juntasse ao processo e demonstrasse uma posse que não existia”, destaca o assessor jurídico da Terra de Direitos, Pedro Martins.

Diante da decisão da Vara Especializada Agrária a Comunidade comemorou. “Estamos dentro da área coletiva e isso [a manutenção do cadastro ativo no CAR] poderia abrir precedentes para outras pessoas utilizarem o CAR para reivindicar essa área. Essa decisão é alivio, é uma vitória para a Comunidade que está preocupada em ter um Cadastro Ambiental Rural de alguém onde 46 famílias residem”, destaca o membro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém, Manoel Edvaldo Santos Matos. Conhecido na comunidade como Peixe, a liderança sublinha que a Comunidade vê com preocupação as pretensões externas de posse da área onde, além de uso comum da terra, as famílias tem suas dinâmicas de vidas organizadas, com circulação pela escola, clube e cemitério, por exemplo, construídos dentro da área.

Sobreposição do CAR em áreas coletivas
Para o assessor jurídico a decisão enseja uma importante avaliação sobre a sobreposição dos Cadastros Ambientais Rurais em áreas coletivas. “O que a gente vê a partir do caso da Vila Brasil que o CAR foi usado em processo de reintegração de posse para simular exercício desse direito em sobreposição à comunidade rural”, destaca Pedro.

Como um registro público eletrônico de âmbito nacional, o instrumento carece de verificação dos dados apresentados pelos interessados na área em questão e dos usos da terra. Um resultado direto é um sobreposição dos registros com áreas ocupadas por populações indígenas, comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais.

Em junho, a Câmara de Populações Indígenas do Ministério Público Federal publicou um levantamento de registro de 9.901 propriedades no Cadastro Ambiental Rural que se sobrepõem aos territórios indígenas em diferentes fases de reconhecimento pelo Estado brasileiro ou áreas com restrição de uso, como reservas ambientais. Diante da sobreposição, o MPF pediu o cancelamento os registros dos cadastros, a anulação das licenças ambientais emitidas e suspensão de pagamentos – benefícios vinculados ao registro ativo no CAR.

Para Peixe o CAR tem sido objeto de atenção das comunidades que lutam pelo direito coletivo à terra. “Fizemos um trabalho coletivo de sensibilização para o risco do CAR. Muitos territórios indígenas e agroextrativistas já sabem que muitas pessoas iam registrar no CAR que são proprietários destas áreas. Isso tem gerado conflito de sobreposição de CAR individual em áreas coletivas”, declara.

“O Cadastro Ambiental Rural, a partir de 2014, começou a fazer parte da rotina das ações possessórias nos Tribunais de Justiça do Brasil. Com isso nós temos o desafio de entender o CAR como instrumento de prova de posse, já que o Cadastro não identifica quem está realmente na posse do imóvel”, declara Pedro. Ele ainda sublinha que a validação dos registros inscritos no Cadastro Ambiental também carecem de transparência e regulamentação.  “Existem milhares de Cadastros ativos sem processo de validação. Enquanto não for verificado cada cadastro, o CAR estará facilitando a grilagem de terras no Brasil", complementa.



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