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PR: Acompanhando reivindicação de diferentes órgãos atentos à pandemia, Tribunal de Justiça suspende remoções


Estado possui cerca de 200 ocupações urbanas irregulares na iminência de despejo. População residente em ocupações urbanas é vulnerável ao contágio.

 

Ocupação 29 de março, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), reúne mais de 300 famílias. Foto: Lizely Borges

Atendendo a reivindicação da Defensoria Pública do Paraná, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) suspendeu, até o prazo de 30 de abril, o cumprimento de ordens de reintegração de posse de áreas com ocupações coletivas urbanas e rurais em território paranaense. A medida está presente no âmbito do Decreto Judiciário 172, emitido em 20 de março.

Em razão das vulnerabilidades diversas a que estas pessoas estão submetidas – precariedade habitacional, desemprego ou subemprego e não acesso a serviços essenciais, entre outros – a população das ocupações urbanas apresenta-se como um grupo de alta vulnerabilidade ao contágio do coronavírus (Covid-19).

“Em um momento mundial, em que a orientação é para que as pessoas evitem sair de suas casas, evitando-se, assim, a proliferação do vírus, qualquer ordem que implique em despejo, vai na contramão das medidas de prevenção, deixando as famílias que moram nessas áreas ainda mais vulneráveis e expostas”, sublinha a defensora pública e coordenadora do Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas (Nufurb) da Defensoria Pública do Estado do Paraná, Olenka Lins e Silva Martins Rocha, em entrevista para a Terra de Direitos.

Em observância à declaração de emergência de saúde pública de importância nacional e estadual e às manifestações de medo relatados pelas comunidades à Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado, o órgão e Núcleo Itinerante emitiram dias antes um ofício conjunto dirigido ao presidente do Tribunal de Justiça, requerendo a suspensão com urgência de qualquer ordem de remoção. “Considerar-se que o cumprimento de reintegração de posse de um razoável contingente populacional não cumpre os requisitos da necessidade e da urgência podendo gerar riscos de danos graves, permanentes e irreparáveis, levando-se em consideração o período delicado que vivemos”, destaca um dos trechos do ofício.

No documento, os assinantes reforçam que qualquer remoção forçada em tempos de pandemia acentuaria um contexto de vulnerabilidade e de desamparo governamental a que as famílias já são expostas, vez que centros de acolhimento e serviços de assistência acessados por estas comunidades, por exemplo, tem sido fechados, e aqueles que permanecerem abertos sofrerão sobrecarga de atendimento.

A medida traz mais segurança à uma quantidade expressiva de famílias. Em um último levantamento realizado pela Defensoria, a partir do acionamento do órgão pelas comunidades, mais de 200 ocupações urbanas coletivas no estado corriam risco de cumprimento de reintegração das áreas e consequente despejo.

Reivindicação popular
A reivindicação pela não realização de despejos neste período de pandemia resultou em uma campanha realizada, em âmbito nacional pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). “Não podemos aceitar que, num cenário de pandemia, onde ter uma casa, mesmo que precária, pode ser a diferença entre se infectar ou não, os despejos continuem acontecendo”, alerta o Movimento. A reivindicação também está presente na Resolução Conjunta 01/2020 da Rede Nacional de Conselhos de Direitos Humanos, colegiado que reúne Conselhos de Direitos Humanos de todo o Brasil, emitida no dia 19 de março. 

Organizações como o Instituto de Arquitetos do Brasil, Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e a Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas também tem se manifestado por meio de manifestos e chamadas públicas. A Terra de Direitos, em recente editorial sobre a atuação do sistema de justiça para garantir a proteção às populações mais vulneráveis também destacou a necessidade de imediata suspensão de reintegrações de posse e despejos em áreas urbanas e rurais. A organização destaca que em tempos de pandemia é urgente e imprescindível a atuação do sistema de justiça a fim de garantir os direitos humanos, a efetivação dos direitos previstos na Constituição Federal e, principalmente, reduzir os impactos da epidemia na população, em especial, na mais vulnerável. 

“Garantir a moradia, suspendendo despejos, é o mínimo necessário para não se agravar ainda mais vulnerabilidades, viabilizar o acesso aos outros direitos e para que as recomendações de combate ao coronavírus - higiene, isolamento e cuidados especiais com idosos, crianças e doentes em casa - sejam minimamente possíveis. A atuação do sistema de justiça é essencial nesse sentido”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Daisy Ribeiro. 

Neste sentido, de acordo com a defensora Olenka, o órgão tem atuado em demais esferas para garantir que outros direitos sejam assegurados para a população que reside nestes comunidades. “A primeira preocupação foi a de se evitarem os despejos coletivos. Paralelamente, estamos encaminhando ofícios e recomendações para as mais diversas esferas administrativas e prestadores de serviços públicos, visando evitar que todos, sem exceção, recebam os serviços necessários e essenciais neste momento de crise. Caso seja necessário, todas as medidas judicias urgentes serão tomadas para que sejam garantidos os direitos dessa parte vulnerável e hipossuficiente da população do Paraná”, ressalta.

Impactos de remoções forçadas
O conjunto de organizações sociais, movimentos populares e a Defensoria tem destacado que a casa, ainda que em condições precárias e localizada em área frequentemente não acompanhadas de serviços essenciais, como escolas e postos de saúde, é um ponto de autopreservação dos residentes e de referência para políticas públicas, como políticas de assistência.

Para elas, privar, neste momento, a permanência das famílias neste espaço significará a vulnerabilidade amplificada pela ausência de alternativas habitacionais. Sem apoio, um resultado possível é o adensamento da população em situação de rua ou casas de amigos ou parentes com muitos indivíduos. Ambas situações são compreendidas como fortes disseminadores do vírus.

“A perda deste ponto referencial de acesso à cidade (e a consequente desorganização estrutural), neste momento de pandemia, pode ensejar riscos e danos graves irreparáveis, não apenas a integridade física e à vida das pessoas que se encontram ocupando informalmente o espaço urbano como única alternativa habitacional, mas também dos demais membros da sociedade”, aponta a Defensoria, em referência ao efeito cascata da disseminação potencializada do vírus pela realização de remoções.



Ações: Direito à Cidade

Eixos: Terra, território e justiça espacial