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TRF-4 suspende decisão que dava prazo à União para disponibilizar recursos para titulação do Paiol de Telha


Em março, Justiça Federal havia determinado à União que repassasse recursos para garantir a titulação de parte do território do Paiol de Telha. Na época, juíza considerou que a morosidade no processo era “falta de vontade política”, mais do que falta de orçamento.

A desembargadora Marga Barth Tessler do Tribuna Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) suspendeu nesta quinta-feira (23) a liminar da 11ª Vara Federal de Curitiba que estabelecia o prazo de 180 dias para que a União disponibilizasse recursos para seguimento da titulação do território do Quilombo Paiol de Telha, localizado na cidade de Reserva do Iguaçu (PR). A decisão atendeu o pedido liminar da União, mas a ainda será julgada pela 3ª Turma do TRF-4.

Enquanto isso, o prazo determinado na liminar concedida no dia 25 de março pela juíza Silvia Regina Salau Brollo, da 11ª Vara da Justiça Federal, permanece suspenso.

Em sua decisão, a juíza da 11ª Vara da Justiça Federal estabeleceu 180 dias para que a União repassasse ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) cerca de R$ 23 milhões – valor que seria destinado para a aquisição de cerca de 1.200 hectares de terras que já estão previstas em um decreto de desapropriação assinado pela então presidenta Dilma Rousseff em 2015.  A determinação da Justiça Federal também deu um prazo de até 30 dias para que o Incra titulasse uma primeira parte da comunidade quilombola. A liminar foi cumprida pelo Incra no fim de abril, e o Paiol de Telha passou a ser o único quilombo titulado no Paraná, de forma parcial. Com processo de titulação em andamento no Incra desde 2004, o Paiol de Telha conquistou apenas 225 hectares dos 2,9 mil hectares que tem direito – uma parcela mínima de terra para as mais de 400 famílias quilombolas.

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Quilombola do Paiol de Telha e coordenadora executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Ana Maria dos Santos Cruz conta que recebeu a notícia com tristeza, após toda a alegria que cercou a comunidade após a titulação da primeira parte do território. “Agora a luta começa de novo”. Ela destaca que a determinação judicial era uma grande esperança para as 400 famílias do quilombo, que já se programavam para plantar na nova área assim que a União disponibilizasse o recurso. “Os 225 hectares titulados são pouca terra para o número de famílias que tem”, destaca.

Ao suspender a liminar, a desembargadora do TRF-4 alegou que seria “incabível” impor essa determinação para a União, “diante do quadro de escassez de recursos que assola os entes federativos”.

A análise dos dados orçamentários destinados à política de titulação quilombola, no entanto, mostra o baixo valor destinado à área, mesmo quando a arrecadação do Estado era maior. A dotação orçamentária para titulações quilombolas de todo o Brasil atingiu seu maior volume em 2010, quando R$ 50 milhões de reais foram disponibilizados. O valor – que nunca foi suficiente frente à demanda – não representa nem 0,1% do orçamento do Plano Safra do agronegócio que está vigente, e que deve ser mantido. Entre a metade de 2018 e 2019, o Plano Safra teve R$ 195 bilhões em recursos.

Vontade política

O Incra argumenta que já fez a avaliação do custo para a aquisição de sete imóveis em que já há autorização para desapropriação, mas que não há recursos suficientes para esta ação. Enquanto são estimados cerca de R$ 23 milhões para a compra das terras, a Lei Orçamentária Anual sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em janeiro deste ano estabelece apenas R$3,4 milhões de reais para a política de titulação de territórios de todo o Brasil – e desse valor, apenas pouco mais de R$ 400 mil seriam disponibilizados para a aquisição de áreas para todos os 1.176 processos abertos no Incra e todo o país.

Durante a audiência de conciliação entre a comunidade quilombola, o Incra e a União, realizada em Curitiba no dia 25 de março, a juíza Silvia Brollo destacou que a demora na titulação do Paiol de Telha vai além de um problema financeiro. “Eu entendo que aqui não é uma questão orçamentária, mas de respeito aos direitos constitucionais.  [O direito ao território quilombola] Já está na Constituição e eu, como juíza, tenho que respeitar ela”, explica. “Infelizmente o Brasil é realmente um país que não olha para as pessoas que mais precisam. A causa dos quilombolas, assim como dos indígenas, entra em conflito com outros interesses. Não é falta de orçamento, é falta de vontade política de fazer respeitar esses direitos”, reforça.

Presente na audiência, o procurador do Ministério Público Federal Luis Sérgio Langowski também destacou a necessidade de garantir a titulação de toda a área que já está prevista no Decreto de Desapropriação – ainda que a comunidade tenha direito a mais de 1,5 mil hectares que não estão contemplados pelo decreto presidência. “A União autorizou a desapropriação de 1.400 hectares. Se autoriza, se pressupõe que tem orçamento”, avaliou na ocasião.

Vice-presidente da Associação Quilombola Invernada Paiol de Telha, Danielly da Rocha Santos destaca a importância de a justiça garantir que a União e o Incra avancem na titulação de todo o território quilombola. “É um direito nosso já adquirido pelo Decreto de desapropriação que não é cumprido. O governo está fugindo das suas obrigações”, lamenta. “Não vamos desistir de lutar pelo nosso direito. Não estamos pedindo nada de ninguém, estamos lutando pelo que é nosso”.

Muito tempo, pouco avanço

Ao analisar o pedido de efeito suspensivo da liminar da Justiça Federal, o procurador regional da República Paulo Gilberto Cogo recomendou ao TRF-4 rejeitar o pedido da União. No parecer, o procurador destacou a necessidade de a União garantir a efetivação do direito ao território tradicional, previsto na Constituição Federal no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. “Se o Incra não atua da forma devida cabe de qualquer forma à União por determinação constitucional adotar todas as medidas necessárias para que seja concluído o processo de identificação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes da comunidade quilombola”, destaca no parecer.

No documento, o procurador também destaca a necessidade de avançar no processo de titulação, que está aberto no Incra desde 2004. “Essa situação, portanto, caracteriza omissão indevida da Administração Pública e conduta injustificadamente morosa, que viola os princípios da legalidade, da eficiência e da razoável duração do processo”.

O baixo orçamento e a morosidade nos processos contribuem para a estimativa de que serão necessários 1 mil anos para que todos os processos de titulação em andamento no Incra sejam finalizados.

Enquanto o restante da terra não é titulada, os quilombolas do Paiol de Telha sofrem também com a ameaça de um despejo. Pela pouca quantidade de terra inicialmente titulada, as famílias ocuparam uma nova área para plantio, em propriedade da Agrária, uma cooperativa agroindustrial. Uma ação de reintegração de posse dessa área também será julgada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em breve.

Advogado popular da Terra de Direitos que acompanha o caso, Fernando Prioste destaca que agora caberá ao TRF-4 garantir o cumprimento do que determina a Constituição Federal. “o Governo Bolsonaro já afirmou que por questões ideológicas e por preconceito contra quilombolas não fará titulações de territórios. Contudo, essa é uma obrigação imposta pela Constituição. Se o Executivo não cumpre a Constituição, o judiciário tem a obrigação de agir”, avalia. “Se 1% do valor do Plano Safra fosse destinado às titulações quilombolas muitas comunidades seriam tituladas no Brasil. Só há corte para comunidades negras quilombolas, já para o agronegócio há fartura de recursos. Isso é expressão do racismo institucional”, aponta



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Ações: Quilombolas
Casos Emblemáticos: Comunidade quilombola Paiol de Telha
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos