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Ouvidor Agrário Nacional assegura que Superintendência do Incra em Santarém (PA) não será extinta


Portaria publicada em fevereiro prevê uma unidade do órgão fundiário por estado. Comunidades e organizações se opõem.

Movimentos populares, comunidades tradicionais e articulações de povos do campo defenderam a permanência da Superintendência Regional. Foto: Aianny Monteiro

O ouvidor agrário nacional, o coronel João Miguel Souza Aguiar Maia de Sousa, declarou, nesta terça-feira (04), aos representantes de organizações sociais, comunidades tradicionais, produtores rurais e outros atores que a Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Santarém (PA) não deve ser extinta. A agenda se inscreve na 4ª Reunião Ordinária do Fórum Permanente do Ministério Público Estadual com a Sociedade Civil para Questões Agrárias e Fundiárias do Oeste do Pará, coordenado pela Promotoria Agrária de Santarém.

“O ouvidor afirmou na reunião que agora não há possibilidade de extinção. Depois de analisarem as demandas e o quanto a Superintendência de Santarém representa para a região ele declarou que não vai haver extinção”, relatou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém, Manoel Edvaldo Santos Matos, à Terra de Direitos.

A declaração do ouvidor contrasta com o enunciado na Portaria Conjunta 01/2019, publicada em 21 de fevereiro pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e Gabinete da Ministra Tereza Cristina (PSL), que estabelece a “previsão de uma superintendência por unidade da federação, com, no mínimo, três níveis hierárquicos”. Caso a determinação da Portaria seja materializada, as superintendências regionais de Santarém e Marabá serão extintas, restando apenas a de Belém.  

Em nota lida e entregue ao ouvidor durante a reunião, as entidades que compõem o Fórum Permanente destacaram que a reconcentração das atividades do Incra na capital paraense deve gerar grandes dificuldades para operacionalização da política agrária. “É contraproducente reconcentrar atividades da Reforma Agrária, como se fazia há quinze anos, em um estado como o Pará, em que todas as lógicas, notadamente a da geopolítica, apontam para a necessidade de implementação das políticas públicas de competência do Incra para garantir o desenvolvimento regional sustentável. Sem essa governabilidade, os planos de desenvolvimento caem por terra”, diz um trecho da nota. 

Em outra manifestação apresentada ao ouvidor, assinada por 50 organizações da sociedade civil, entre eles a Terra de Direitos, outro destaque é o retorno em mais de trinta anos na estrutura de governo para atendimento à questão fundiária. “As distâncias entre as regiões dentro do próprio Estado do Pará são determinantes para se pensar estruturas de governança que atendam todas as localidades. Sem poder de decisão em Santarém, retornaremos aos anos 1990, com uma estrutura de governança inviável”, apontam as organizações (link acesso nota)

A reconcentração do órgão na capital ainda demandaria dar conta dos custos de deslocamento da população que aciona o Incra. Com orçamentária reduzida para o ano de 2019, o ônus da transferência do Incra para Belém seria sentido exclusivamente pela população.  A capital está distante cerca de 700 quilômetros de Santarém.
 

Demandas diversas
Com complexas demandas nos temas de competência do Incra e com extensão territorial maior que toda a região sudeste do país, o Pará - na avaliação de representantes das organizações e articulações locais -  demanda estruturas descentralizadas do órgão para cobertura do estado. Apenas a área atendida pela Superintendência de Santarém, localizada no oeste do estado, envolve a jurisdição de 19 municípios. Com exceção de Santarém, todos os demais são predominantemente de população rural.

O amplo espectro coberto pela Superintendência Regional criada em 2005 soma expressivas números como 53.676 famílias de trabalhadores rurais assentadas, em 155 assentamentos da reforma agrária e 18 processos de titulação quilombola. A autarquia ainda dialoga diretamente com programas e serviços fortemente acionados pela população, como o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único) e o Bolsa Família.

“A vinda do ouvidor agrário foi importante na medida que ele tomou conhecimento dos principais problemas e conflitos do oeste do Pará e, principalmente, porque teve uma dimensão mais concreta da extensão territorial do estado, fazendo com que entendesse a necessidade da Superintendência em Santarém”, aponta a assessora jurídica da Terra de Direitos, Aianny Monteiro.

Ela ainda sublinha que a reunião oportunizou que o ouvidor tomasse conhecimento da fragilidade de funções operativas do órgão, como a redução de profissionais para vistoria das áreas e ausência de recursos para realização de indenizações – etapas necessárias ao avanço do processo de regularização agrária.

Compromissos
Além de se comprometer a levar as manifestações das organizações e articulações locais ao presidente do Incra, João Carlos Corrêa, o ouvidor relatou que a autarquia deve encaminhar à Superintendência Regional, nos próximos dias, um planejamento das ações e orçamento a serem executados em 2020.  Os documentos devem ser partilhados na próxima reunião do Fórum, no dia 05 de agosto. No momento, os movimentos populares e comunidades devem apresentar, mais detalhadamente, as demandas ao órgão.

“Ficou claro que não tem orçamento para este ano. Tanto que a construção e objetivo da próxima reunião é a apresentação mais qualificada do trabalho em 2020. Para este ano não tem nada”, aponta Manoel.

Reestruturação do Incra
A presidência do Incra encaminhou à ministra, no último dia 31, uma proposta de reestruturação organizacional do Incra. A proposta é uma formulação do grupo de trabalho constituída pela Portaria Conjunta 01/2019.

Desde o governo interino de Michel Temer (MDB) o órgão responsável por executar a reforma agrária e o ordenamento fundiário nacional tem sofrido mudanças estruturantes. Com a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em maio de 2016, o Incra ficou lotado dentro da estrutura da Casa Civil. 

Logo depois, com a Medida Provisória 870/2019, editada nos primeiros dias do governo de Jair Bolsonaro (PSL), a autarquia federal passou a ser subordinada ao Mapa, pasta sob comando de ruralistas, opositores à reforma agrária e à titulação de territórios quilombolas. Tanto a ocupação do mais alto cargo do Ministério, pela ruralista Teresa Cristina, e da Secretaria de Assuntos Fundiários, pelo presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Nabhan Garcia, evidenciam alinhamento da direção da pasta aos interesses do agronegócio.

Desta vez, o texto encaminhado à ministra sugere “rever os processos de obtenção de terras em trânsito na autarquia” e centra mais esforços em mecanismos de controle, como corregedorias, do que nos processos de regularização fundiária.



Ações: Conflitos Fundiários

Eixos: Terra, território e justiça espacial