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Nota pública sobre a prisão dos possíveis mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes

24/03/2024 Comitê Justiça por Marielle e Anderson

Comitê Justiça por Marielle e Anderson manifesta que há longo caminho na efetivação da justiça e que risões não marcam a solução final do caso.

Na manhã deste domingo (24) o Brasil foi acordado com anúncio da operação conjunta da Polícia Federal, Procuradoria-Geral da República e Ministério Público do Rio de Janeiro de prisão preventiva a  Domingos Brazão e Chiquinho Brazão, supostos mandantes do assassinato da defensora de direitos humanos, Marielle Franco, e Anderson Gomes, seu motorista. A operação também determinou a prisão de Rivaldo Barbosa, ex-chefe de Polícia Civil do Rio, como suspeito de atrapalhar as investigações.

Em nota o Comite Justiça por Marielle Franco e Anderson, coletivo composto por familiares de Marielle, Monica Benício, Instituto Marielle Franco, Terra de Direitos, Anistia Internacional e Justiça Global, destaca a impunidade em torno do caso. "As autoridades brasileiras têm falhado em todos esses deveres frente aos assassinatos de Marielle e Anderson. Precisamos urgentemente mudar essa dura realidade para que a juventude negra e favelada viva e para que todos os familiares de vítimas tenham acesso à verdade, memória, justiça e reparação," aponta um trecho da nota.

 

Veja a nota

Hoje, 24 de março de 2024, uma operação conjunta da Polícia Federal, Procuradoria-Geral da República e Ministério Público do Rio de Janeiro realizou a prisão preventiva de Domingos Brazão, atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), Chiquinho Brazão, deputado federal do Rio de Janeiro pelo União Brasil, e Rivaldo Barbosa, ex-chefe de Polícia Civil do Rio. A operação realizada se baseou em informações colhidas no âmbito do acordo de delação premiada do ex-policial Ronnie Lessa, homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) recentemente. Ronnie informou quem seriam os mandantes e qual seria a motivação do crime, mas suas palavras ainda precisam ser corroboradas com as demais provas no curso do processo. 

Os irmãos Brazão são identificados na delação de Ronnie Lessa como sendo os mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. E Rivaldo Barbosa teria avalizado o assassinato e combinado com Domingos Brazão de não andar com as investigações do caso. Segundo informações veiculadas na mídia, a família Brazão tem como reduto político e eleitoral o bairro de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, historicamente dominado por milícias, que exploram empreendimentos ilegais. O deputado federal Chiquinho Brazão foi vereador na Câmara Municipal do Rio de Janeiro pelo MDB na mesma legislatura que Marielle. Chiquinho Brazão apoiou a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e também chegou a receber passaporte diplomático durante o governo do ex-presidente.

Rivaldo Barbosa assumiu a chefia da Polícia Civil um dia antes do atentado contra a vereadora, em 13 de março de 2018. Três dias após o crime, escolheu Giniton Lages para assumir o cargo de delegado responsável pela investigação, função na qual permaneceu por cerca de um ano.

Hoje, uma decisão do Supremo Tribunal Federal determinou o afastamento das funções públicas de Giniton Lages e do comissário Marco Antônio de Barros Pinto. Ambos atuavam na Delegacia de Homicídios do Rio na época do crime. A indicação de Rivaldo Barbosa foi realizada pelo General Walter Braga Netto (PL), interventor federal no Estado do Rio de Janeiro, ex-Ministro da Casa Civil e da Defesa do governo de Jair Bolsonaro (PL), e ex-candidato a vice-presidência junto ao então presidente, Jair Bolsonaro (PL) no pleito de 2022. Tal indicação foi contraindicada pela inteligência da Polícia Civil.

Nesse sentido, Ronnie Lessa, preso desde 2019, teria informado à Polícia Federal, na sua delação, que os mandantes teriam se incomodado com a atuação política de Marielle Franco, ela teria contrariado os interesses de milicianos que desejavam a expansão de terrenos que abastecem um grupo ligado à milícia na cidade. 

Assim, segundo a delação, agentes ou ex-agentes do Estado, dentre eles um chefe da polícia responsável pelas investigações, estariam envolvidos em todos os níveis do crime. Esse caso reflete a impunidade estrutural em casos de crimes cometidos por agentes ou ex-agentes do Estado contra a vida de defensores de direitos humanos e civis como Marielle e Anderson Gomes, segmentos da sociedade que sofrem lesões a direitos de forma massificada na sociedade e têm dificuldade estrutural de acesso à justiça.

A impunidade dessas violações contra a população afro-brasileira permite a repetição de atos semelhantes e a perpetuação do racismo estrutural. Ressaltamos que no Brasil, não há uma política de reparação aos familiares e vítimas de violência do Estado que garanta investigação independente, participação efetiva nas investigações, indenização e apoio psicológico contínuo.

Por isso, entendemos que o sistema de justiça, aqui inserido as forças policiais em todos seus níveis, historicamente, não oferece respostas efetivas diante de vítimas de violência do Estado. É preciso lembrar que o surgimento e expansão de grupos paramilitares ou do chamado “crime organizado”, resultam, entre outros fatores, da impunidade e da incapacidade do Estado em oferecer respostas contundentes a seus problemas estruturais. A responsabilidade do Estado sobre o surgimento e expansão de grupos paramilitares têm sido objeto de condenações emblemáticas na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que observando a existência de diversos casos envolvendo a vinculação entre grupos paramilitares e agentes de segurança pública, estabelece como deveres estatais internacionais básicos: o dever de prevenir violações de direitos; o dever de investigar de forma diligente; o dever de responsabilizar perpetradores por suas violações;  o dever de reparar as vítimas. 

As autoridades brasileiras têm falhado em todos esses deveres frente aos assassinatos de Marielle e Anderson. Precisamos urgentemente mudar essa dura realidade para que a juventude negra e favelada viva e para que todos os familiares de vítimas tenham acesso à verdade, memória, justiça e reparação!

Vale lembrar que o assassinato de Marielle e Anderson ocorreu no marco de intervenção federal na segurança pública no Rio de Janeiro. Em um país democrático, é inadmissível que agentes do Estado contem com impunidade por parte de órgãos investigativos e o consentimento de amplos setores da sociedade. Até hoje, a falta de respostas sobre quem mandou matar Marielle vem funcionando como um aval do Estado para que outros ataques à população negra, favelada e periférica ocorram. 

 A justiça que queremos vai além da responsabilização dos executores e dos mandantes deste crime político que tirou as vidas da Marielle e do Anderson. Precisamos de  uma justiça que garanta medidas de responsabilização dos autores do crime, reparação aos familiares e medidas de não repetição, isto é, prevenção de outros casos de violência política de gênero e raça, garantindo que nenhuma outra mulher negra seja interrompida.

É importante lembrar que essas prisões não marcam a solução final do caso. A delação precisa ainda ser corroborada com outras provas no curso do processo e os envolvidos precisam ser levados a julgamento o quanto antes. Há um caminho longo a ser percorrido. 

Marielle foi um quadro político extremamente relevante na conjuntura recente do país, não apenas por sua liderança, presença e contundência como defensora de direitos humanos acompanhando por mais de 15 anos vítimas de violência do Estado, e posteriormente como parlamentar, mas também por representar um ciclo de avanços fruto de décadas de auto-organização e autodeterminação do movimento de mulheres negras brasileiro. Sabemos que com esse crime brutal, que nitidamente carrega motivações políticas, sexistas, lgbtfóbicas e racistas, esperavam interromper o ciclo de avanço deste projeto político que ela representava. Se enganaram. Porque apesar da crescente insegurança política e das violências diárias, não iremos recuar da luta plurissecular de libertação.

Continuaremos lutando por justiça para que a investigação sobre os mandantes avance, para que haja o devido julgamento de todos os acusados desse crime brutal que nos tirou Marielle Franco e Anderson Gomes e, sobretudo, para que a sociedade brasileira finalmente tenha as respostas às perguntas: quem mandou matar Marielle Franco e por quê?

Continuaremos lutando por justiça e  reparação: para que nunca mais se repita!
Assinam esta nota: Agatha Reis, Antônio Francisco da Silva Neto, Luyara Franco, Marinete da Silva, Mônica Benício,  Anistia Internacional, Instituto Marielle Franco, Justiça Global e Terra por Direitos



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Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos