Falta de regularização fundiária da PAE Lago Grande (PA) expõe lideranças à ameaças, aponta comunidade
Lanna Paula Ramos
Morosidade na regularização fundiária do PAE Lago Grande intensifica violência contra lideranças, aponta estudo
“Sem o território garantido, seremos ameaçados”. “A gente não pode mais pisar no que é nosso, o território porque [a gente] corre o risco de ser ameaçado”. Essas foram afirmações feitas por lideranças do Projeto de Assentamento Agroextrativista Lago Grande, em Santarém (PA), durante o seminário “Desafios para a destinação coletiva das terras do PAE Lago Grande”. O evento foi organizado pela Federação das Associações da Gleba Lago Grande (Feagle), Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Sindicato de Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR-STM), Terra de Direitos, FASE, Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal do Pará e Ministério Público Federal nos dias 05 e 06 de agosto, na sede da instituição federal, em Santarém. A atividade buscou debater estratégias para a finalização do processo de regularização fundiária do território junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
As ameaças à vida vivenciadas por mais de 20 lideranças que lutam em defesa do território coletivo e pelo bem viver no assentamento foi um dos temas apresentados pelos moradores no evento. As Intimidações, ameaças de morte e outras violências sofridas foram destacaras pelos defensores como uma das consequências da demora da finalização no projeto de reforma agrária.
O PAE Lago Grande foi criado em 2005 e até hoje, quase 20 anos depois, os beneficiários do assentamento não receberam o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso Coletivo (CCDRU), um documento que garante a conclusão do processo de reforma agrária e o título definitivo da terra em favor da Federação. As famílias apontam que não ter o documento impacta também no acesso às políticas públicas para desenvolvimento da agricultura familiar.
Para a Feagle, entidade gestora do território, o título definitivo vai solucionar muitos dos conflitos que atualmente afetam os cerca de 40 mil moradores do assentamento e, principalmente, garantir a proteção da vida dos defensores que lutam pelo território.
“Nós temos uma expectativa muito grande de que com a titulação coletiva teremos mais facilidade no acesso às políticas públicas, que é o que os assentados almejam. Precisamos que isso aconteça de imediato também com a intenção de evitar os grandes conflitos fundiários, a grilagem de terras e a ameaça às lideranças que hoje têm se dado fortemente. A gente entende que todo esse tipo de ameaça que vem para dentro do território se dá pela ausência da regularização fundiária. Então a gente tem travado essa luta para que isso possa ser solucionado com intuito de evitar que aconteçam coisas piores no território pela ausência de regularização”, afirma uma liderança.
A Terra de Direitos assessora a Federação, conjuntamente com mais organizaçoes, no processo de regularização fundiária. Durante o seminário a organização apresentou dados preliminares de um estudo que demonstra como a morosidade da finalização da regularização dos assentamentos no Pará intensifica a violência contra defensores. Segundo a assessora jurídica popular da Terra de Direitos, Suzany Brasil, para proteger a vida das e defensoras e defensores de direitos humanos é necessário que as políticas de proteção estejam alinhadas com as políticas de garantia do direito à terra, assim atuando nas causas estruturais que causam os conflitos e as ameaças.
"Ao acompanhar os processos de defesa do território por povos e comunidades tradicionais na Amazônia, especialmente nos programas de assentamento agroextrativista –PAEs – fica mais evidente que a cada pequeno passo para garantia da vida na floresta, mais violenta é a reação contra as lideranças defensoras de direitos humanos. Esses dados, ainda muito invisibilizados pelos órgãos oficiais, aparecem nas pesquisas que temos realizados em parcerias com outras organizações de direitos humanos. É urgente esse enfrentamento às causas estruturais das ameaças”
Acordo de cooperação técnica
A demora da entrega do título definitivo das terras do assentamento para as comunidades decorre de inúmeros problemas relacionados à situação fundiária do PAE Lago Grande. Até hoje não se conhece quais são os limites territoriais do território, por exemplo.
A Feagle e o STTR-Santarém, também tem cobrado e tentado contribuir com as etapas necessárias para que o Incra - finalize o processo de regularização. No entanto, os entraves apresentados pelo órgão são muitos, como a questão orçamentária e de recursos humanos, aponta a pesquisa/ as lideranças .
Para além das discussões sobre o contexto de ausência de reforma agrária do PAE Lago Grande, o seminário também foi pensado para debate e alinhar coletivamente entre as lideranças do território, as entidades parceiras, organizações organizadoras e o Incra os termos de um novo Acordo de Cooperação Técnica (ACT) que deverá ser assinado para dar continuidade as ações de levantamento da situação fundiária do território.
Em um primeiro ACT, assinado em 2019, entre a Feagle, o STTR-Santarém, a Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal do Pará, a FASE e o Incra foram feitas análises jurídicas da situação legal dos imóveis e das terras arrecadadas na criação do assentamento. A proposta é que um novo acordo seja assinado entre as entidades, agora contando também com a Terra de Direitos, para que as ações continuem e possam contribuir com a titulação definitiva.
Violência x direito à terra
A relação entre conflitos fundiários e a violência contra defensoras e defensores de direitos humanos tem sido observado historicamente no Brasil. Somente nos últimos anos, de 2019 a 2022, 78,5% dos casos de violência contra defensores de direitos humanos se deu contra pessoas que lutavam em defesa da terra, território e meio ambiente, de acordo com a pesquisa “Na Linha de Frente: violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil”, elaborada por Terra de Direitos e Justiça Global.
Neste ano, a Relatora Especial das Organizações das Nações Unidas sobre pessoas defensoras de direitos humanos, Mary Lawlor, após visita oficial ao Brasil e oitivas com lideranças do PAE Lago Grande, declarou que o direito à terra está no centro da luta dos povos tradicionais por conta da descriminação e desapropriação de terras histórica e que continua até hoje no país.
Também em julho deste ano o Ministério Público Federal se manifestou cobrando de orgãos públicos medidas urgentes para regularização do assentamento PAE Lago Grande. A recomendação afirma que a demora na regularização é a principal causa da violência e de outras violações de direitos no assentamento.
“Esta recomendação tem também por objetivo evitar tragédias previsíveis e ações judiciais envolvendo o direito à terra e o direito à proteção da vida de defensores de direitos humanos, apontando a demora do Estado como principal fator de causa e agravamento da violência e conflitos no campo e, particularmente, no PAE Lago Grande;” aponta o documento.
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Ações: Conflitos Fundiários, Defensores e Defensoras de Direitos Humanos
Eixos: Terra, território e justiça espacial