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Editorial: Enquanto os governos recuam nas decisões sobre o clima, os povos e comunidades avançam


 

Foto: Oliver Kornblihtt/ Midia Ninja

Encerrada a Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) neste final de semana, em Belém (PA), representantes de povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais, atingidos/as por barragens, pescadores/as artesanais, comunidades periféricas e outros tantos, estão a caminho de casa. Locais que, com mais intensidade, sentem os impactos da crise climática, como a escassez de água, aumento da temperatura, enchentes, deslizamentos, perda de espécies pela exploração da biodiversidade pelo mercado, entre outros. O desejo é de que, no retorno, trouxessem boas novas. No entanto, as construções das negociações entre os líderes mundiais não foram à altura da urgência da adoção de medidas para conter a crise do clima. 

A ciência já não deixa margem para dúvidas: o mundo ultrapassou o limite crítico de 1,5°C de aquecimento, e a escalada das emissões de gases de efeito estufa evidencia que não há mais espaço para hesitação. Ainda assim, a COP30 terminou sem qualquer acordo que mencionasse explicitamente a eliminação dos combustíveis fósseis, compromisso com zerar o desmatamento e metas concretas de financiamento. Esta omissão não é um mero detalhe técnico: é a demonstração, evidente e crua, de como a ganância corporativa e os lucros imediatos seguem ditando a agenda global, atropelando a vida, a ciência e a justiça socioambiental e climática. Não por acaso houve presença recorde de lobbistas fósseis e do agronegócio nesta edição. 

Há também que se destacar a crise do multilateralismo, a obstrução de avanço nas negociações por países sustentados pelo petróleo e um papel particularmente negativo dos Estados Unidos, cuja ausência deliberada — impulsionada pelo negacionismo climático do governo Trump — arrastou aliados e contribuiu para bloquear avanços. 

Apesar desse quadro, há vitórias que precisam ser celebradas. Pela primeira vez na história das Conferências do Clima, populações afrodescendentes são reconhecidas em um texto aprovado pela ONU, assim como o direito à consulta prévia, livre e informada de povos e comunidades tradicionais foi destacado no eixo de transição justa, entre outras medidas. 

No âmbito nacional, há avanços frutos da mobilização dos povos indígenas: o governo brasileiro anunciou 10 novas demarcações de terras indígenas, como da TI Sware Ba’pim do povo Munduruku do Pará. A ação é também fruto da mobilização dos povos indígenas na COP. 

É também fundamental destacar a importância do lançamento do caucus global de comunidades locais, articulação composta por representantes de comunidades e povos tradicionais da África, Ásia, América Latina e do Caribe que buscam participar de modo mais ativo dos processos de tomada de decisão nos órgãos constitutivos da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática.   

A COP30 ficará marcada por uma participação histórica dos movimentos populares, organizações sociais, povos e comunidades tradicionais. Durante cinco dias, mais de 25 mil pessoas, de 80 países e territórios, ocuparam Belém para a Cúpula dos Povos, debatendo temas que vão muito além do alcance estreito dos negociadores oficiais. A marcha global reuniu mais de 70 mil pessoas nas ruas, após três edições da COP em países onde protestar era considerado ameaça de Estado. A última mobilização global havia ocorrido em 2021, em Glasgow; desde então, Azerbaijão, Emirados Árabes e Egito impuseram restrições severas à liberdade de manifestação.  

Em Belém, a marcha não apenas voltou: mostrou sua força política e sua autonomia diante dos espaços oficiais, lembrando ao mundo que política climática deve partir e envolver quem está na linha de frente do enfrentamento da crise. A entrega da Declaração da Cúpula dos Povos a ministérios e à própria presidência da Conferência reafirmou essa centralidade. Ainda foram consumidas 68 toneladas de alimentos agroecológicos adquiridos por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) Especial Cúpula dos Povos, de 11 associações e cooperativas de povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares e camponeses; 18 toneladas serão doadas à 09 cozinhas solidárias do Pará. 

A Cúpula dos Povos construiu memória, articulação e horizonte político. É  fundamental destacar que a construção iniciada na Cúpula dos Povos segue se enraizando nos territórios. O processo de mobilização e de resistência dos povos é contínuo, como destaca a declaração da Cúpula. E uma luta comum aos povos de todo o mundo é contra este modelo de produção oposto a preservação das vidas. “Os principais problemas ambientais do nosso tempo são consequência das relações de produção, circulação e descarte de mercadorias, sob a lógica e domínio do capital financeiro e das grandes corporações capitalistas”, destaca a Cúpula.  

A Cúpula dos Povos, os demais espaços de participação popular e a participação ampliada (mas ainda insuficiente) de povos tradicionais no espaço oficial deixam uma mensagem incontornável: são os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, quebradeiras de coco, povos de terreiros, movimentos urbanos, apanhadoras de flores sempre-vivas e demais povos de todo o mundo que têm as respostas reais para enfrentar a crise climática. Foram eles que, ao retornar para suas casas, levaram consigo pactos de solidariedade, metodologias de cuidado, estratégias de resistência e projetos de futuro construídos coletivamente.  

Enquanto os governos hesitam em se comprometer com a mudança efetiva e enfrentar as causas estruturais que resultam na crise climática (e nos impactos mais intensos para os povos mais vulneráveis), os povos e comunidades tradicionais de todo mundo avançam. E é justamente nas vozes que ecoaram pelas ruas de Belém, e que agora ecoam pelas florestas, ilhas, periferias e quilombos, que reside a força capaz de mover o mundo. 

  




Eixos: Política e cultura dos direitos humanos