Construção de esgoto em Quilombo de Barcarena (PA) segue sem respostas da Justiça
José Odeveza
A obra de uma estação de tratamento de esgoto, que atravessa o Quilombo Sítio Conceição, tem gerado um cenário crítico de incertezas para a vida da comunidade. Mesmo situado num território reconhecido pela Fundação Cultural Palmares desde 2016, a Prefeitura do município de Barcarena (PA) segue violando direitos sob alegação de posse da região. Após o despejo irregular e a demolição das casas de quatro famílias quilombolas, em 2021, a comunidade vive o caos da falta de acesso completo ao território sem ao menos ter respostas da Justiça diante do conflito fundiário.
Nesta semana, a Terra de Direitos - em nome da associação do quilombo - ingressou com um novo pedido à 1ª Vara Cível e Empresarial de Barcarena, que questiona a liminar de posse do território quilombola concedido à prefeitura em 27 de setembro de 2021. O caso já teve parecer do Ministério Público em favor da paralisação das obras por conta do conflito fundiário envolvido, mas que não foi considerado para apreciação pela Vara.
Além disso, o pedido questiona a competência da Vara para acompanhar o caso que envolve um território tradicional em processo de titulação, como aponta a assessora jurídica da Terra de Direitos, Selma Corrêa. "Se trata de comunidade quilombola em processo de titulação, em que a execução das obras tem causado transtorno ao território. Apesar de todas as manifestações de órgãos públicos, o caso continua sendo tratado como demanda cível comum, e isso tem agravado a situação da comunidade."
Despejos irregulares e obras sem planejamento
Em outubro de 2021, a comunidade foi surpreendida com um despejo irregular que deixou 4 famílias desabrigadas para as obras da estação de esgoto. Segundo relatos da comunidade, as famílias foram abordadas de forma violenta pela polícia civil e por agentes de fiscalização da Secretaria de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano de Barcarena (SEMDUR), que realizaram a desocupação e derrubada das casas.
Com o avanço das obras as famílias que permanecem no quilombo começam a sentir cada vez mais o peso da falta de acesso ao seu território. Segundo Roberto Chipp, liderança da comunidade, foram construídas cercas entre as ruas que atravessam as casas e com o aumento das chuvas a lama também é uma barreira de locomoção. Em 2020 a Prefeitura deu início a construção de um muro dentro do quilombo, impedindo as famílias de acessarem as áreas de floresta e de chegarem ao Rio Murucupi. As obras continuaram mesmo em meio à pandemia de Covid-19.
Já as famílias que foram despejadas vivem sob o abrigo de familiares, após perderem todos os seus bens que estavam em suas residências. "A prefeitura de Barcarena insiste que está agindo dentro da legalidade em nosso quilombo, haja vista que estamos em trâmite da causa na justiça. As famílias despejadas aguardam pela ação da defensoria agrária do estado de uma indenização por danos materiais e morais aos que perderam suas casas", explica a liderança quilombola.
Acesso à Justiça
Diante dos inúmeros impactos que a obra tem causado, a falta de respostas da Justiça no caso tem sido uma enorme barreira para a vida da comunidade. Desde o ano passado, o caso já recebeu 4 petições e 3 pareceres em favor da causa quilombola, que sequer foram apreciadas.
Além disso, o despejo realizado por autorização das Justiça aconteceu mesmo diante da decisões do Supremo Tribunal Federal que determinaram a suspensão da tramitação de processos que tenham risco de reintegração de posse de comunidades quilombolas – que faz parte da Arguição de Descumprimento Fundamental (ADPF) 742 – e a suspensão de processos com ordens ou medidas judiciais de desocupação de áreas urbanas e rurais habitadas antes da pandemia da covid-19, ementa cautelar da ADPF 828.
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Por Lanna Paula Ramos
Ações: Quilombolas, Conflitos Fundiários, Democratização da Justiça
Eixos: Terra, território e justiça espacial