Comunidade quilombola Paiol de Telha receberá visita do Superintendente do Incra e estabelece um prazo para resposta sobre a paralisação da titulação de seu território
Assessoria de comunicação Terra de Direitos
Exatos dois anos após o dia em que cerca de 40 famílias da comunidade quilombola Paiol de Telha ocuparam parte do território tradicional, estratégia que resultou na assinatura do decreto de desapropriação que corresponde à metade do território da comunidade, representantes do quilombo vieram a Curitiba em mais uma tentativa de garantir a efetivação de seus direitos.
Cerca de 15 pessoas representando o Paiol de Telha participaram, na tarde desta quarta-feira (31), de uma reunião no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Solicitada pelos quilombolas, a conversa teve como objetivo encontrar uma solução para a paralisação do processo de titulação das terras que hoje estão ocupadas pela Cooperativa Agrária.
Iniciada sem a presença do Superintendente Edson Wagner de Sousa Barroso, que alegou estar resolvendo contratempos, estavam na reunião o chefe da Divisão de Ordenamento da Estrutura Fundiária, Fabrício Melfi, a chefe da Procuradoria Federal Especializada, Josely Aparecida Trevisan Massuquetto, os servidores Mauro e Juliane Sandri, o representante do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Proteção dos Direitos Humanos (CAOPJDH) DO Ministério Público do Paraná (MP-PR), Olympio de Sá Sotto Maior Neto, e o advogado popular da Terra de Direitos, Fernando Prioste.
O processo de titulação do território do Paiol de Telha já está na etapa final, restando apenas a desapropriação de 12 propriedades pelo Incra, já que a fase de estudos já foi concluída em 2014, com a assinatura de portaria de reconhecimento do território da comunidade.
Para realizar essas desapropriações o Instituto optou, politicamente, por estabelecer acordo com a Cooperativa Agrária, ao invés de ajuizar ações de desapropriação. Porém, o acordo com a Cooperativa está paralisado, pois o Incra não pode comprar as terras até que a atual proprietária retire hipotecas que incidem sob os imóveis. Por isso, com a reunião o Paiol de Telha buscou pressionar o órgão para que estabeleça um prazo para que a Cooperativa retire as hipotecas das terras da comunidade.
No primeiro momento, os quilombolas firmaram um acordo com o representante do MP para que o órgão se comprometa a cobrar do Banco do Brasil celeridade para a retirada das hipotecas dos imóveis. Após mais de uma hora de conversa, o superintendente do Incra atendeu o pedido da comunidade e foi à reunião, quando se comprometeu a visitar o acampamento do “Fundão” no próximo dia 21 e levar uma resposta sobre a questão das hipotecas.
Sem experiência na questão fundiária quilombola, Edson Wagner de Sousa Barroso foi nomeado para a Superintendência desde setembro do último ano, é ex perito criminal da Polícia Civil do Distrito Federal e ex Coordenador de Estruturação e Modernização da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP).
Rumo à titulação, a passos lentos
Desde 22 de junho de 2015, quando a então presidenta Dilma Rousseff assinou o decreto de desapropriação que corresponde à metade do território da comunidade, fruto da ação sistemática dos quilombolas, as famílias lutam pela desapropriação para que possam, finalmente, retomar a propriedade do território tradicional.
Nesse período, a comunidade cobrou agilidade no processo de desapropriação estabelecido entre o Incra e a Cooperativa, que até hoje não finalizou os procedimentos burocráticos necessários para a aquisição do território pela União.
Atualmente, o Incra trabalha para desapropriar apenas duas das doze propriedades que integram o território tradicional do Paiol de Telha. A titulação dessas duas primeiras áreas é um avanço muito importante na luta, mas ainda há um longo caminho a ser seguido para que se titule a totalidade das terras da comunidade. Um dos principais desafios é a falta de recursos para que o Instituto indenize os atuais proprietários.
“A única coisa que entendi é que vamos continuar esperando”
O encaminhamento não foi suficiente para convencer os representantes quilombolas, cansados de sempre retornar à comunidade com promessas e pedidos de espera. Mariluz Marques, presidenta da associação quilombola, relatou as dificuldades enfrentadas pela comunidade para participar das reuniões que pouco dão de retorno concreto para a comunidade.
“Toda vez a gente se desloca tem custo, alguém paga”, destacou a presidenta ao contar que somente as duas últimas viagens realizadas pelos representantes quilombolas custaram dois mil reais, valor custeado através de vaquinhas na comunidade.
Atualmente com 61 anos, Antônia de Fátima Rocha, está lutando pelo território há 40 anos. Ao defender a necessidade da visita do superintendente do Incra no local, a quilombola destacou a precariedade dos acampamentos provisórios e os impedimentos que a comunidade tem para cultivar a terra, “a gente quer que resolva pra poder plantar”.
O pedido de espera já está saturado para a mulher, que não compreende a demora para poder retornar ao território que lhe pertence, sendo que o processo de expulsão dos quilombolas foi muito rápido e violento. “A gente continua lutando e eles continuam plantando, colhendo e se beneficiando do dinheiro que é fruto do que é nosso, e nós não recebemos nada”, desabafa.
Precariedade e inseguranças pela falta de titulação
Impossibilitados de se estabelecer e de plantar, para resistir na luta as famílias vivem precariamente em alojamentos de lona temporários, cultivam pequenas hortas, próximas ao acampamento, e possuem pequenas criações de animais. “As pessoas estão sofrendo porque não podem construir e nem plantar por medo de ter que sair depois”, afirmam.
As dificuldades geradas pela não titulação do território não são as únicas enfrentadas pela comunidade. Segundo contaram, a comunidade está sendo afetada pelas práticas de cultivo da Cooperativa, que arrendou lotes de terra e faz uso de agrotóxicos no plantio, que já chegou até a contaminar a água dos quilombolas.
A comunidade acredita que essas práticas, assim como a demora na resolução burocrática da desapropriação, é mais uma manifestação de má fé da Agrária. “Eles querem deixar as terras o mais estragadas o possível pra nós”, afirmam.
Política de titulação de territórios quilombolas e as lutas por políticas públicas
Também nesta quarta-feira (31), a Central de Movimentos Populares (CMP) saiu às ruas em diversas cidades do país para marcar o Dia Nacional de Políticas Públicas. Organizada há cinco anos, as manifestações de 2017 ganhou foco especial devido ao desmonte de direitos promovido pelo governo de Michel Temer.
Para os quilombolas, o atual cenário de quase total paralisação nas titulações de territórios em todo o Brasil evidencia esse desmonte. Neste ano, o orçamento nacional para realização das atividades relativas ao seguimento dos processos administrativos de titulação é de pouco mais de 500 mil reais e estariam disponíveis para a desapropriação de terras pouco mais de 3 milhões de reais.
Esse orçamento é absolutamente insuficiente para os fins a que se destina, e demonstra uma baixa significativa na destinação de recursos para tais finalidades. O Governo Federal, por pressão de ruralistas, busca asfixiar a política de titulação através do orçamento, como já se analisava desde o último ano.
Comunidade Quilombola Paiol de Telha – Caso emblemático
Cerca de 300 famílias foram expulsas de forma violenta do território na década de 1970, por imigrantes alemães que fundaram no local a Cooperativa Agrária, uma grande produtora de commodities na região. Os integrantes da comunidade quilombola habitavam o espaço desde 1860, quando 11 trabalhadores escravizados foram libertados pela proprietária da terra, Balbina Francisca de Siqueira, e receberam o território como herança.
Começou então, uma série de ocupações e reintegrações de posse na área localizada entre os municípios de Reserva do Iguaçu e Guarapuava. Para resistir na luta, as famílias vivem precariamente em barracos e abrigos temporários, até que seja possível se instalar definitivamente no tão sonhado território titulado.
A luta do quilombo Paiol de Telha pelo reconhecimento de seu território é emblemática inclusive no âmbito do Sistema de Justiça. Em 2013 a comunidade objete decisão judicial favorável ao reconhecimento da constitucionalidade do Decreto Federal 4887/03, jurisprudência essa determinante para que a comunidade e muitas outras em todo Brasil conquistem a titulação de seus territórios.
Em outubro de 2014, o Paiol de Telha se torna a primeira comunidade quilombola a reconhecida no Paraná. Mais de 30 comunidades quilombolas estão com processo de titulação em andamento no estado.
Ações: Quilombolas
Casos Emblemáticos: Comunidade quilombola Paiol de Telha
Eixos: Terra, território e justiça espacial