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Mutirão inicia obras na comunidade Sociedade Barracão, em Curitiba


Moradores do local e apoiadores avançaram nas obras de urbanização da área. A limpeza da rua e passeio foi exigência da prefeitura, que entrou com ação judicial contra a comunidade.

Moradores do local e apoiadores avançaram nas obras de urbanização da área. Foto Alice Correia

 

Foi sob o atípico sol escaldante da primavera curitibana que os moradores da comunidade Sociedade Barracão, localizada no Bairro Boqueirão, em Curitiba, começaram a construção de cerca de 20 metros de calçada. As obras fazem parte de um projeto de reurbanização da área, construído pela comunidade em parceria com o Coletivo Trena de arquitetos e engenheiros populares, com a Terra de Direitos e com o Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo.

Os risos e a cooperação deixaram tudo mais fácil, como conta Leila Arlen Veloso, que mora no bairro há 17 anos. “Tanto a gente trabalhava como dava risada”. Das 14 famílias da comunidade, quase todo mundo participou. Veio até gente de fora para ajudar na obra. Não faltou trabalho para as 15 pessoas que iniciaram a labuta. “Cada um ajudou um pouquinho. Um puxou os paver [bloco para calçada], outro puxou carrinho de areia, um pouco de pedra. E se ajudamos. Todo mundo se ajudou”, se diverte Rucélia de Mello, que está no Barracão há 12 anos. “Uns eram responsáveis por puxar água, outros pra fazer a comida, outros para trazer o suco, outros o chimarrão. E assim foi”.

O material usado na construção é fruto de muito trabalho e solidariedade: os paver, parte da areia e do pó de brita foram doados. O material que faltava foi adquirido através de um financiamento coletivo feito na internet, e por esforço da comunidade, que promoveu até Festa Junina para arrecadar mais dinheiro.

Mas ainda falta bastante coisa para fazer – além do calçamento da área de passeio, as famílias também querem calçar uma rua interna que liga as casas da comunidade, e plantar grama ao redor das calçadas. Essas obras, no entanto, vão ter que esperar.

“Por enquanto a gente só tinha dinheiro pra mexer na frente, no passeio. Mas vamos fazer mais festa, mais feijoada, festa junina pra arrecadar dinheiro”, conta Rucélia.

A primeira do Paraná
A resistência da comunidade é emblemática: constituída em maior parte por famílias que trabalham na coleta e separação de material reciclável, a Sociedade Barracão foi a primeira comunidade do Paraná a ter reconhecido o direito à moradia através de usucapião coletivo.

A decisão que garantiu a posse coletiva das famílias é de 2013, e foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Paraná no mesmo ano. Mesmo assim, as famílias ainda aguardam a regularização e emissão de títulos da área.

O local que abriga a comunidade foi ocupado há quase 20 anos. Antes, o terreno dava lugar a uma fábrica de peças e máquinas industriais que foi há falência na década de 1990.

Enquanto a sentença não pode ser executada judicialmente, pois aguarda decisão de recurso nos tribunais superiores, a garantia do direito à moradia digna e implantação de infraestrutura tem sido conquistada graças à ação direta dos moradores e parcerias.

Melhorias necessárias
A higienização do local foi uma recomendação da prefeitura de Curitiba, que move uma Ação Civil Pública contra a comunidade. A falta de um espaço adequado para armazenamento do material incomodou os vizinhos e motivou a prefeitura e exigir a retirada do material em nome da tutela do “meio ambiente, da saúde e da vida humanas”.

As exigências não levaram em consideração a necessidade da comunidade ter um espaço para armazenar o material reciclável coletado. Sem que a prefeitura tenha contribuído para solucionar o problema, algumas pessoas tiveram que parar de coletar e separar esse material.

Esse foi o caso de Rucélia. “Eu não trabalho com reciclagem porque não tenho onde pôr meu material, mas se eu tivesse um barracão eu estaria trabalhando. Tanto que eu estou passando por dificuldade por causa disso”, conta.

O terreno onde a mulher mora não é grande o suficiente para armazenar o que ela coletava – e nem seria o espaço adequado para isso.

Além da cessão de um barracão de uso coletivo, a comunidade também reivindica a prestação do serviço de energia elétrica por parte da Companhia Paranaense de Energia (Copel) de forma individualizada. A Copel alega que, pelo fato de o terreno onde vivem as famílias estar no nome de apenas um dono, uma única ligação elétrica seria suficiente para atender a todos.

Os mesmos argumentos foram superados pela 1ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba no ano de 2016, que determinou o fornecimento básico de água de forma individual pela Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar).

Na próxima segunda-feira, a comunidade participará de uma Audiência de Conciliação com a prefeitura para buscar uma solução em conjunto com o Ministério Público, Defensoria Pública. A tentativa de diálogo foi determinação do juiz Guilherme de Paula Rezende, da 4ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba com o objetivo de equilibrar os direitos fundamentais mais básicos como saúde e moradia dos moradores e as condições de implementação de projetos urbanísticos do Município.

A expectativa é que saiam da audiência com um acordo de cooperação com os órgãos responsáveis pela política de resíduos sólidos e materiais recicláveis.

 

 



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