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Monocultivo de eucalipto ameaça práticas tradicionais da comunidade quilombola Raíz, em MG


Denúncia sobre ataques à comunidade foram encaminhadas à oito órgãos públicos nesta terça-feira (3)

(fotos: Carlos Souza)

Após voltarem do I Festival de Apanhadores e Apanhadoras de Flores Sempre-Viva em Diamantina no dia 21 de junho, quilombolas da comunidade Raíz, na cidade de Presidente Kubitschek, em Minas Gerais, tiveram uma desagradável surpresa. Encontraram no território tradicional uma das últimas áreas livres do plantio de eucalipto sendo queimada. A prática do uso do fogo, seguida da utilização de calcário, teve um propósito bem evidente: plantar mais pastagem e eucalipto em uma área que já é devastada pelo monocultivo.

O caso foi denunciado nesta terça-feira (3) a oito diferentes órgãos públicos, como o Ministério Público Federal, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário (SEDA),  o Ministério Público Estadual em Diamantina e a Fundação Cultural Palmares. A denúncia foi realizada pela Associação Comunitária de Raíz, pela Comissão em Defesa das Comunidades Extrativistas (Codecex) e pela Terra de Direitos.

A queima da vegetação e o uso de calcário na terra são algumas das evidências da preparação do solo para a plantação de eucalipto ou de pastagem. (foto: Carlos Souza)

O documento apontou irregularidades no uso do fogo em uma área de preservação permanente, próxima a um córrego.  O episódio aconteceu entre as Fazendas Capoeira Grande e Leonor e Jambeiro, que a comunidade Raíz reivindica como território quilombola. Quase 15 hectares de vegetação foram queimados – uma área equivalente a mais de 20 campos de futebol. Há suspeita de que não houve licença ambiental para a ação.

Deserto verde

A comunidade Raíz está localizada no centro-norte de Minas Gerais, em meio à Serra do Espinhaço. Ali moram 28 famílias, que sobrevivem da agricultura de diferentes variedades, da criação de animais e, principalmente, da coleta de flores sempre-vivas. Em 2015, a comunidade iniciou o processo para o reconhecimento do território quilombola, mas enquanto não tem posse da área, a região é devastada pelo agronegócio.

Advogada popular da Terra de Direitos, Maria Eugenia Trombini conta que o avanço do monocultivo de eucalipto ameaça cada vez mais o desenvolvimento da prática tradicional da coleta – ou panha – de flores, usadas para criação de artesanato e geração de renda das famílias. “Essas plantações dificultam o acesso às áreas comuns e o acesso às flores”, explica.

Mapa da área queimada (Mapeamento: Carlos Souza)

Além disso, os quilombolas denunciam que o cultivo em grande escala dessa árvore já tem prejudicado os recursos hídricos da região: campos onde flores eram colhidas estão secando, assim como fontes de água que abasteciam a comunidade. O manejo da plantação e colheita das flores sempre-vivas, ao contrário disso, é feito de maneira sustentável, respeitando os ciclos da natureza e contribuindo para a preservação do bioma Cerrado.

 Os moradores também relatam que já houveram casos de contaminação em razão dos agrotóxicos usados na plantação. “Estão cercados em todas as direções”, indica Maria Eugenia. Segundo ela, um dos riscos do avanço do agronegócio sobre a área que engloba o território quilombola é de que, quando o título da terra for emitido para a comunidade, não haja espaço preservado suficiente para que a panha de flores e outras práticas tradicionais possam continuar sendo desenvolvidas.

Preservação do território

É por essa razão que a denúncia entregue a órgãos públicos reforça: o fim do conflito está diretamente ligado à titulação da comunidade quilombola. Enquanto isso não acontece, os quilombolas veem cada vez mais suas práticas tradicionais ameaçadas.

O documento lembra que o Brasil assumiu internacionalmente a responsabilidade de “adotar as medidas que sejam necessárias para determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse.” Exemplo disso é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, um tratado ratificado pelo Brasil, em que o país se compromete a adotar “medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência.”

A advogada popular reforça a necessidade de pensar a prática tradicional associada ao território onde são desenvolvidas. “As Comunidades e suas práticas estão sendo reconhecidas como patrimônio nacional e internacional. Mas, na prática, para que isso se consolide, é necessária a proteção desses territórios”.

A prática da coleta de flores sempre-viva pode ser reconhecida como Patrimônio Agrícola Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO/ONU). A candidatura para o reconhecimento foi feita durante I Festival dos Apanhadores e Apanhadoras de Flores Sempre-Vivas, realizado em Diamantina (MG) nos dias 21 e 22 de junho. O processo será avaliado por um comitê, e a resposta deve ser dada em até um ano.



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Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar, Conflitos Fundiários, Quilombolas

Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar