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Justiça Federal suspende licenças e paralisa obra de porto de combustível no Lago Maicá, em Santarém (PA)


Decisão é resultado de ação movida pelo MPF e pelo MP-PA contra empresa Atem’s, após denúncias realizadas pelos movimentos sociais; esse é o segundo empreendimento suspenso no Lago Maicá por falta de Consulta Prévia.

 

Mesmo sem consulta prévia às populações tradicionais da região, obras já foram iniciadas e impactos já podem ser sentidos. / Foto: Franciele Petry

Após mais de um ano denunciando irregularidades e violações de direitos provocadas pelas obras do porto da empresa Atem’s Distribuidora de Petróleo, os movimentos sociais de Santarém têm motivos para comemorar: nesta quinta-feira (21), uma decisão liminar do juiz federal Felipe Gontijo Lopes suspendeu as licenças prévia e de instalação do empreendimento, e determinou a paralisação imediata das obras.

A decisão também determina multa de R$ 50.000 para cada ato que descumpra a liminar e estipula o prazo de 20 dias para que a Atem’s adote medidas emergenciais para evitar o escoamento de sedimentos no rio, ocasionados pela construção.

O porto está sendo construído na beira do Rio Amazonas, próximo ao local onde está localizado o Rio Saracura (um braço do Rio Amazonas) e em frente à boca do Maicá, o canal de água que abastece o Lago Maicá.  O Lago é fonte de subsistência para as mais de 10 mil pessoas que vivem em áreas próximas e que trabalham – entre outras coisas -, com a pesca. Ao menos 12 comunidades quilombolas, uma comunidade indígena e centenas de pescadores artesanais serão afetados. Apesar dos impactos que sofrerão, nenhuma das comunidades foi consultada.

Agora, a decisão é comemorada. “Em meio a tantas notícias ruins, a gente recebe essa com grande felicidade, porque isso reforça o que a gente vem exercitando aqui: que é essa luta pela defesa dos direitos, dos pescadores, indígenas, quilombolas, das pessoas que vivem e dependem desse meio natural que é tão importante para sobrevivência de todos nós”, destaca Valdeci Oiveira, moradora do Bairro Pérola do Maicá e coordenadora Conselho Diocesano da Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP).

“No momento que estamos vivendo receber uma notícia dessas é muito importante”, concorda Raimundo Mota Benedito, vice-presidente da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS). Morador do Quilombo Tiningu, próximo ao Lago Maicá, ele sabe com o empreendimento afetará as famílias. “A comunidade depende das águas, dependemos disso. Sabemos que esse porto vai trazer um impacto muito grande para as comunidades quilombolas”, destaca

Consulta Prévia

A decisão é resultado de uma Ação Civil Pública movida em fevereiro pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado do Pará contra a empresa Atem’s e contra o Estado do Pará. Na ação, os órgãos denunciavam irregularidades na obra como a falta de consulta livre, prévia e informada às populações tradicionais impactadas, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

A ação foi movida dias após representantes de movimentos sociais se reunirem com o procurador da república, Gustavo Alcântara, para denunciar as violações de direitos ocasionas pela obra. Durante a reunião, os movimentos entregaram uma  carta-denúncia, assinada também pela Terra de Direitos.

No fim de abril, o MPF e o MP-PA também moveram uma segunda ação, que ainda aguarda decisão. Nesse processo, os órgãos denunciam fraudes no licenciamento ambiental da obra e pedem, entre outras coisas, a demolição das estruturas já feitas pela empresa e a reparação aos danos já causados. Com o início das obras, os moradores próximos ao Lago Maicá já perceberam mudanças na região: assoreamento do igarapé da Praia do Osso, a profundidade do Lago Maicá na época do verão amazônico – quando o nível da água chega em seu ponto mais baixo – já diminuiu consideravelmente. A alteração no nível do lago traz grande preocupação, pois interfere na piracema – quando os peixes migram para se reproduzirem.

As comunidades temem que, com o funcionamento do porto, além de alterações no nível da água e na reprodução dos peixes, aumente o risco de vazamento de combustíveis no rio, o que prejudicaria a qualidade da água e da pesca.

Outros empreendimentos paralisados

Esse não é o primeiro empreendimento portuário previsto para a região, nem o primeiro que viola os direitos das comunidades próxima. A empresa Embraps já teve a licença suspensa pela Justiça Federal por não considerar as comunidades quilombolas no estudo de impacto ambiental.

Advogado popular da Terra de Direitos que acompanha o caso, Pedro Martins destaca que a nova decisão em relação ao porto da Atem’s é um avanço na garantia do direito das comunidades quilombolas, comunidades tradicionais e povos indígenas, dentro de um processo de licenciamento marcado por fraudes e irregularidades – o licenciamento ambiental foi de responsabilidade da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, quando deveria ser de responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

“Não podemos deixar de lado o fato que a destinação da referida área para porto já é por si inconvencional, pela irregular aprovação do Plano Diretor de Santarém que desconsiderou a consulta a sociedade civil e especialmente os grupos étnicos”, destaca.

No fim de 2018, durante a última sessão do ano, os vereadores da cidade decidiram alterar texto do Plano Diretor de Santarém e incluíram o Lago Maicá como  área portuária – mesmo com todas as manifestações contrárias à proposta

Para Valdeci, a suspensão de um segundo empreendimento pela violação ao direito à consulta prévia é resultado das denúncias feitas em diferentes momentos pelos movimentos sociais e com organizações. ““A gente sabe que só a luta dos movimentos é capaz de fazer esse enfrentamento. A gente precisa e merece ser escutado”.

Essa conquista, no entanto, não representa a paralisação da resistência: “A luta continua”, afirma Valdeci. “Precisamos estar cada vez mais atentos para que nossos direitos não sejam tirados de qualquer forma, sem que a gente tenha condições de discutir, e principalmente, decidir”.



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Ações: Quilombolas, Empresas e Violações dos Direitos Humanos
Casos Emblemáticos: Portos do Maicá
Eixos: Terra, território e justiça espacial