Julgamento sobre inconstitucionalidade de isenção fiscal é novamente suspenso pelo Supremo Tribunal Federal
Lizely Borges
Mercado de agrotóxicos é beneficiado há 26 anos com redução de ICMS e isenção total de IPI. Em cinco meses dois ministros pediram vista no processo.
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, pediu vista na sexta-feira (28) no julgamento virtual da Ação Direta de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, que questiona isenção de impostos para agrotóxicos. Com isso, o julgamento é novamente suspenso.
O recurso assegurado no regimento interno da Corte garante aos ministros um tempo para análise da ação. O julgamento havia sido retomado no dia 20 de outubro, após pedido de vista do ministro André Mendonça, em junho de 2023. É o terceiro pedido de vista dentro da ação. Além de Cármen Lúcia e André Mendonça, o ministro Gilmar Mendes também pediu vista em 2020 e suspendeu temporariamente o julgamento da ADI.
Na avaliação pelas organizações, ainda que o instrumento de pedido de vista seja possível, novos adiamentos na avaliação de um benefício de mais de duas décadas retardam a interrupção da isenção. “Em 2021 foram quase R$ 13 bilhões em impostos que deixaram de ser arrecadados. Isso significa que a cada mês que esta decisão é adiada, estamos perdendo mais de 1 bilhão de reais. Se isso fosse investido na saúde da população afetada, já teríamos um cenário muito melhor. Então esperamos que o STF tenha mais agilidade e acabe o quanto antes com essa farra da isenção de impostos para um produto tão nocivo ao meio ambiente e à saúde”, enfatiza o integrante da coordenação da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Alan Tygel.
Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais ao mercado de agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos. Deste modo, há mais de 26 anos, o mercado de agrotóxicos é beneficiado com isenção fiscal.
O pagamento parcial do tributo ocorre porque o Estado brasileiro aplicou, por meios destes dispositivos, o princípio da seletividade e essencialidade tributárias. Este princípio determina que o Estado pode selecionar produtos e conferir benefícios fiscais, conforme sua importância soc Um dos argumentos mais recorrentes entre quem defende a manutenção da isenção fiscal é de que o fim do benefício deve resultar em elevação no preço dos alimentos. No entanto, a grande maioria dos produtos que consomem agrotóxicos são commodities, como a soja, o milho, o algodão e a cana-de-açúcar e não são voltados para a produção de alimentos para consumo pela população. Isto porque estão destinados para o mercado internacional, destacam organizações.
Com alteração do Regimento Interno da Corte pelo STF, em dezembro de 2022, os pedidos de vista devem ser devolvidos dentro do prazo de 90 dias, contado a partir da data de publicação da ata de julgamento. Depois do período vencido, os autos do processo serão liberados automaticamente para que os demais ministros possam continuar sua análise.
Posição dos ministros
Até o momento cinco ministros se manifestaram na Ação. O ministro e relator da Ação, Edson Fachin, reconheceu em seu voto proferido em novembro de 2020, a inconstitucionalidade dos benefícios fiscais. O ministro conclui que as normas questionadas pela ADI 5553 violam artigos da Constituição brasileira e sugeriu uma série de providências para a cobrança de ICMS e IPI sobre importação, produção e comercialização de agrotóxicos; além de solicitar que órgãos do governo avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos” sobre os agrotóxicos.
Na manifestação do voto, o ministro não se restringiu a analisar a questão tributária, mas evocou também o princípio da precaução sobre uso dos agrotóxicos para destacar as evidências de riscos de uso e consumo dos químicos ao meio ambiente e à saúde. “O uso de produtos nocivos ao meio ambiente ameaça não somente animais e plantas, mas com eles também a existência humana e, em especial, a das gerações posteriores, o que reforça a responsabilidade da coletividade e do Estado de proteger a natureza”, aponta Fachin.
Já o ministro Gilmar Mendes votou no dia 09 de junho pela manutenção dos benefícios fiscais aos agrotóxicos. Depois de quase dois anos do processo suspenso pelo pedido de vista do ministro, Gilmar Mendes acolheu os argumentos de entidades vinculadas ao agronegócio e se manifestou pelo não reconhecimento da ação que contesta a constitucionalidade do benefício. Mendes afirma em seu voto que os danos à saúde "não devem ser desconsiderados, mas por si próprios são insuficientes para se declarar a inconstitucionalidade dos benefícios, porquanto produtos essenciais não são isentos de causarem malefícios à saúde". A posição diverge do relator Fachin e de um conjunto de organizações, pesquisadores e órgãos que denunciam os fortes impactos dos agrotóxicos para a saúde e meio ambiente, o que descumpre preceitos constitucionais. Os ministros Cristiano Zanin e Dias Toffoli acompanharam o voto de Gilmar Mendes.
Já o ministro André Mendonça reconhece, parcialmente, a inconstitucionalidade da isenção fiscal e determinou o prazo de 90 dias para a União e estados façam uma avaliação deste benefício.
“É fundamental que os outros cinco ministros(a) ainda a julgarem a ação reconheçam a inconstitucionalidade da isenção. A política fiscal atual é indutora de privilégios à produtos que são comprovadamente danosos à saúde, à alimentação saudável e a biodiversidade, isto é, o Supremo Tribunal Federal, como guardiões da Constituição, deve decidir para assegurar a proteção desses princípios fundamentais”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Jaqueline Andrade.
Pacote do veneno
Em paralelo ao julgamento da ação pelo Supremo, outra medida que favorece o mercado de agrotóxicos tramita, agora no Legislativo. Conhecido como “Pacote do Veneno”, o Projeto de Lei 1459/2022 estabelece um novo marco regulatório sobre os agrotóxicos. Objeto de crítica por flexibilizar as regras para liberação, comercialização e uso dos agrotóxicos, a medida é objetivo de fortes críticas pelas organizações.
“Seguimos angustiados com a possibilidade de aprovação do Pacote do Veneno. Então, se por um lado os benefícios fiscais continuam ativos, temos o risco de, em algumas semanas, termos a revogação da Lei 7802/89 e criação da Lei dos Defensivos Fitossanitários, como eles gostariam que fosse chamado, possibilitando inclusivo o registro de agrotóxicos cancerígenos e que causam más-formações fetais”, denuncia Alan.
Aprovado pela Câmara de Deputados, atualmente a proposta legislativa está sob apreciação pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado e pode ser votada a qualquer momento.
Participação da sociedade
Para colaborar na argumentação técnica e jurídica sobre impactos sociais e econômicos da isenção fiscal, organizações da sociedade civil e redes de atuação de um espectro diverso de defesa dos direitos humanos participam do julgamento da ação, na condição de Amici Curiae. Quatro pedidos de participação da sociedade foram admitidos pela Corte, de autoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Terra de Direitos, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Abrasco, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e Fian-Brasil.
Em defesa da manutenção da isenção, a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal. (Sindiveg), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Crop Life também foram admitidas no processo.
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