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Estudo aponta que a Cargill está há 10 anos atuando em Itaituba (PA) sem realizar consulta ao povo Munduruku


Novo estudo revela a sistemática violação do direito dos indígenas e a falta de fiscalização pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Pará.

Foto: M'Boia Produções

A Terra de Direitos lança a segunda parte do estudo “Sem Licença Para Destruição – Cargill e as violações de direitos no Tapajós” com foco nas irregularidades ambientais, impactos e violação de direitos promovidos aos povos tradicionais do município de Itaituba, no Oeste do Pará. Presente em 70 países e no Brasil desde 1965, a Cargill – empresa multinacional norte-americana de capital privado – é umas das líderes mundiais em exportação de commodities agrícolas no país e em Itaituba (PA) opera um porto desde 2013 sem cumprir as obrigações estabelecidas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) para concessão do licenciamento ambiental para a multinacional manter as atividades em funcionamento.

Entre ameaças aos direitos territoriais indígenas intensificadas nos últimos anos, tais como paralisação das políticas de demarcação de territórios indígenas e flexibilização da legislação ambiental, os povos indígenas e movimentos sociais da região lutam e resistem as intensas mudanças provocadas pelo complexo portuário localizado em Miritituba, distrito do Município de Itaituba, que reúne cerca de 19 portos – incluindo o da Cargill.

O levantamento inédito elaborado por Terra de Direitos identifica uma série de impactos socioambientais e irregularidades cometidas pela Cargill no processo de licenciamento ambiental e conclui que a empresa não realizou a consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas Munduruku e nem os estudos de impacto ambiental que preveem os danos provocados aos indígenas que vivem na área de influência da empresa em Itaituba. O direito à Consulta Prévia, Livre e Informada está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e estabelece que povos e comunidades tradicionais devem ser consultados quando um empreendimento ou lei afete seu território ou modo de vida.

O Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da Cargill - etapas necessárias para fornecimento de licenciamento ambiental - foram protocolados na Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará em 2013, sendo parte inicial do empreendimento e dentro das normas legais do processo de licenciamento ambiental. Porém, de acordo com o estudo “Sem Licença Para Cargill”, o EIA/RIMA da Cargill apresentou ausência de informações essenciais e uma baixa qualidade técnica em inúmeros aspectos, que resultam na omissão de impactos aos moradores locais e, principalmente, povos e comunidades tradicionais afetadas, como os indígenas Munduruku.

A Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), órgão responsável por emitir licenças para empreendimentos no estado do Pará, teve – e ainda tem – papel central na concessão das licenças para a Cargill, mesmo diante das irregularidades. Ao conceder as Licenças Prévia (2014), de Instalação (2014) e de Operação (2017) à empresa, diante de um processo com irregularidades e sem consulta aos indígenas, o órgão público deixa de cumprir sua atribuição de realizar exames aprofundados sobre a consistência dos diagnósticos do EIA/RIMA.

Além disso, outra omissão recai na conta da Secretaria de Meio Ambiente: a não exigência e fiscalização do cumprimento das condicionantes. Na Licença de Operação de 2017, a Semas estabeleceu como condicionante para renovação da licença para a Cargill que fosse realizado o Estudo do Componente Indígena nos territórios Munduruku de Praia do Mangue e Praia do Índio no prazo de 04 meses (120 dias), ou seja, com vencimento em agosto de 2017. No entanto, não há evidências que esse estudo tenha sido realizado.

Já em 2019, uma decisão dentro do processo de licenciamento de um outro porto em Itaituba – da empresa Rio Tapajós Logística (RTL) –, a Fundação Nacional do Índio (Funai) emitiu Termo de Referência contendo orientações para realização dos estudos indígenas. Este documento estabeleceu, mais uma vez, como condição para renovação da licença da Cargill (e de todas as empresas portuárias em Miritituba) a realização do estudo e consulta aos povos indígenas Munduruku do médio Tapajós. Novamente, o estudo e a consulta aos Munduruku não foram realizados.

Em abril deste ano a Cargill completa um ano sem apresentar a renovação da Licença de Operação. Enquanto a Semas se omite diante das irregularidades dos estudos da Cargill, a empresa se beneficia e continua a operar na região do Tapajós, no Pará, sob um padrão de irregularidades e violações de direitos humanos de povos e comunidades tradicionais – da mesma forma que ocorreu no Porto de Santarém.

A constante fiscalização, que deveria ser realizada pelo órgão público e que é essencial como parte do licenciamento ambiental para dimensionamento dos impactos trazidos pelos empreendimentos, vem sendo falha, o que coloca as comunidades e povos tradicionais em um cenário de devastação e violação de direitos.

“O licenciamento ambiental só faz sentido se tiver prazos. A lógica aqui, da precaução e da prevenção, faz com que o empreendimento constantemente seja fiscalizado e corresponda com a legislação. Imaginem um restaurante que precisa sempre renovar seu alvará que comprove que não está prejudicando a saúde de seus clientes. A Cargill segue autorizada sem que haja fiscalização. Ou seja, segue contaminando o Rio Tapajós. O caso da Cargill Itaituba é um dos mais escancarado quando se trata de grandes empreendimentos violadores de direitos na Amazônia paraense, porque a empresa sempre esteve ciente da obrigação de realizar o Estudo do Componente Indígena. A Semas que obrigou a Cargill a seguir a Convenção 169, deixou a obrigação no papel e ao mesmo tempo virou as costas para o Tapajós.”, destacou a assessoria jurídica da Terra de Direitos, que acompanha casos de violações de direitos na região do Tapajós, no Pará.

Alguns portos para o agronegócio, muitos ônus para as comunidades e povos tradicionais
A expansão portuária proporcionada pelo avanço do agronegócio para a região do Tapajós e da rota alternativa de exportação chamada Arco Norte trouxeram uma série de impactos para as populações tradicionais. O Porto da Cargill – juntamente com os demais portos presentes em Itaituba e Miritituba – foram os responsáveis por modificar a paisagem e as dinâmicas sociais, econômicas e espaciais nesses dez anos de presença na região.

Para a população indígena Munduruku, os impactos socioambientais se somaram ao não reconhecimento de seus territórios. Nos estudos de impacto ambiental apresentados pela Cargill são identificadas apenas duas aldeias (Praia do Índio e Praia do Mangue), no entanto, no relatório que visa apresentar os impactos e as ações reparadoras dos danos causados pela empresa, os indígenas Munduruku tiveram a completa negação de sua existência.

“Olha, acima de tudo, a questão de humanidade, o direito de consulta dos povos indígenas né? O direito de viver, nosso direito a se alimentar, direito de praticar o modo de vida que a gente foi ensinado há anos, porque todos os direitos nossos estão sendo violados, seja na cultura, de forma sociotradicional. Então essa visão capitalista está destruindo nossa forma de viver, violando esses direitos que nós temos na Constituição, que hoje está sendo rasgada, sendo queimada, por pessoas que não têm compromisso nenhum, em se tratando do governo. Outros muito menos né?”, declarou um indígena da Aldeia Praia do Mangue, que fica localizada na margem esquerda do Rio Tapajós, em frente ao porto da empresa.


Para a assessoria jurídica da Terra de Direitos, ao ignorar completamente a existência dos povos indígenas Munduruku em Itaituba, a Cargill não ofereceu nenhuma possibilidade de reparação de danos e nem garantiu que os indígenas fossem ouvidos e emitissem qualquer opinião a respeito no processo de instalação dos portos, dessa forma violando o direito a consulta prévia, livre e informada - resguardado pela Convenção 169 da OIT.  

“Esse quadro de violações de direitos humanos tem na raiz a falta de identificação apropriada dos impactos a povos indígenas e comunidades tradicionais. Sem isso, estamos tratando agora - 10 anos depois - da necessidade de reconhecimento e do direito a reparação. E ainda assim será necessária a consulta prévia, livre e informada. É importante destacar que o povo Munduruku foi um dos primeiros a produzir seu Protocolo de Consulta e apresentar ao Estado brasileiro. Outras comunidades tradicionais na bacia do Tapajós também detêm seus protocolos de consulta justamente para fazer valer a Convenção nº 169”

O estudo aponta ainda que os impactos conjuntos e simultâneos dos portos foram sentidos por toda a população de Itaituba e Distrito de Miritituba. De acordo com o Conselho de Fiscalização de Investimentos e Empreendimentos no Distrito de Miritituba, antes da instalação o Distrito contabilizava uma população de 5 mil pessoas, e durante esse processo de instalação das empresas chegou a 13 mil, com chegada de trabalhadores para a construção da obra. Isso acarretou uma alta demanda por terra, especulação imobiliária e sobrecarga aos serviços públicos como saúde e educação, aumento de bares e de casos de exploração sexual de crianças e mulheres.

Aqueles que tinham o rio como principal meio de subsistência, lazer ou transporte foram fortemente afetados pela privatização das margens do Rio Tapajós. O aumento da ciruculação de balsas e barcaças de cargas resultou na contaminação dos rios e peixes, e necessidade de maior deslocamento na busca de alimentos. “E o impacto, principalmente na Aldeia do Mangue, foi muito grande né? Principalmente porque eles têm que ir do outro lado para pescar, e tem várias balsas e barcaças. E também quando vem a carreta, da carreta para passar para o silo da soja, ela faz muito pó, parece um monte de areia caindo. É pó da soja e do silo. Até na barcaça também cai muito pó”, denuncia a Associação Indígena Pariri – que representa legalmente o povo Munduruku do Médio Tapajós, em onze aldeias: Praia do Mangue, Praia do Índio, Sawre Apompu, Sawre Juybu (Terra Indígena Sawre Bapim); Dace Watpu, Sawre Muybu, Boa Fé, Karo Muybu, Dajekapap, Sawre Aboy, Poxo Muybu, (Terra Indígena Sawre Muybu).

Como o estudo identifica, são inúmeros os impactos trazidos pela atuação da Cargill na região do Tapajós. E com a omissão e passividade dos órgãos ambientais a tendência é que a empresa seguirá garantindo a licença de operação mesmo sem apresentar nenhum tipo de medida de reparação de danos - seja ao município que sofre com a pressão nos serviços públicos decorrentes do boom populacional trazido pelos portos, seja às comunidades tradicionais ignoradas no licenciamento ambiental que tem que conviver em meio a rota de exportação da monocultora da soja e do milho e com as consequências trazidas por esses empreendimentos.

Sobre o estudo

O estudo lançado nesta quinta-feira (27) é a segunda parte do material sobre os impactos e as violações de direitos da Cargill na região do Tapajós. Com foco no Porto da empresa em Miritituba (Itaituba/PA), este estudo complementa o conteúdo do site Sem Licença Para Cargill, que traz também o caso do Porto na cidade de Santarém (PA).

O material completo está disponível no site www.semlicencaparacargill.org.br


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Ações: Empresas e Violações dos Direitos Humanos, Impactos de Megaprojetos, Conflitos Fundiários

Eixos: Terra, território e justiça espacial