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Comunidades tradicionais exigem consulta prévia e estudos ambientais em conciliação sobre porto em Santarém


Audiência terminou sem acordo entre a Atem’s e quilombolas, indígenas e pescadores, que denunciam impactos socioambientais do porto  

Foto: Terra de Direitos

Em audiência de conciliação realizada na terça-feira (28), na Justiça Federal, quilombolas, indígenas, pescadores e outras comunidades tradicionais reafirmaram as reivindicações pela realização de consulta prévia, livre e informada, além de cobrarem a elaboração de estudos de impacto ambiental sobre o porto da Atem’s Distribuidora, em Santarém (PA). Apesar de reconhecer a obrigatoriedade da consulta, a empresa ré na ação não concordou em paralisar as atividades nem em elaborar estudos ambientais completos. A audiência terminou sem acordo. 

A tentativa de conciliação integra a Ação Civil Pública movida em 2024 pelo Ministério Público Federal (MPF), que pede a suspensão urgente da licença de operação concedida ao porto e a paralisação das atividades até a realização da consulta prévia. A licença havia autorizado a ampliação das atividades da Atem’s para escoar, além de combustíveis, grãos sólidos. Em setembro, uma decisão da Justiça Federal anulou a licença e determinou a paralisação das obras até que fosse realizada a consulta prévia com povos e comunidades tradicionais. No entanto, a empresa recorreu. Sem acordo na audiência de conciliação, o processo seguirá o rito judicial. 

Presidente da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS), Mirianne Coelho é uma das lideranças que vêm denunciando, há anos, os impactos que o porto da Atem’s tem trazido para as comunidades quilombolas que vivem na área do Lago do Maicá, às margens do Rio Amazonas. 

“É visível, na nossa concepção ribeirinha e quilombola — que transita e usa o rio como fonte de sobrevivência e para seu ir e vir —, que há impactos decorrentes desses empreendimentos. Há comunidades quilombolas que estão sumindo pela ação humana dos grandes empreendimentos que estão chegando aqui. A ausência de acordo para a realização dos estudos ambientais, que garantiriam que a empresa assumisse essa responsabilidade, está causando impactos diretos na vida das comunidades quilombolas que vivem às margens do Rio Amazonas”, afirmou. 

Para Mirianne, a audiência foi um momento importante, em que o posicionamento da Atem’s em relação aos direitos das comunidades tradicionais ficou explícito. “Hoje a gente percebeu o quanto a empresa se nega a fazer a consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas, quilombolas e extrativistas que estão aqui na região. A gente não está se negando a ouvir, estamos pedindo que eles façam a consulta prévia e cumpram todos os ritos legais das licenças e um desses é a elaboração dos estudos de impacto ambiental com os componentes quilombola e indígena”, ressaltou. 

A reivindicação pela elaboração dos estudos de impacto ambiental completos e pela realização da consulta prévia para a concessão da licença foi reiterada pelos povos indígenas Munduruku e Apiaká, representados pelo Conselho Indígena do Planalto Santareno, e pela Colônia de Pescadores Z-20, que também relataram preocupações com o avanço dos impactos já sentidos em razão da atividade do porto. 

Segundo Edinaldo Rocha, pescador e presidente da Z-20, o assoreamento dos lagos e as alterações nos ecossistemas aquáticos são problemas enfrentados pelos pescadores devido ao aumento do tráfego de grandes barcaças no Rio Amazonas, o que tem comprometido a pesca. 

Um estudo elaborado pela Terra de Direitos aponta que, até outubro de 2023, a região do Rio Tapajós contava com 41 portos vinculados ao agronegócio, 27 deles em operação. Segundo o levantamento, os processos de licenciamento ambiental desses empreendimentos são marcados por uma série de irregularidades e lacunas, a exemplo do porto da Atem’s.  

Suzany Brasil, assessora jurídica da Terra de Direitos que acompanhou as comunidades quilombolas na audiência, destaca que esse foi um momento essencial para o juiz, o Estado e a empresa ouvissem, em primeira pessoa, os relatos sobre os impactos que o porto tem causado na vida dos povos e comunidades tradicionais.  

“Em causas que envolvem a atuação de grandes empreendimentos sem a devida consulta prévia aos povos tradicionais, é muito importante que o Poder Judiciário seja um espaço de diálogo efetivo e de escuta dos povos atingidos. Em uma audiência como essa, em que há a garantia de que os povos e comunidades afetados têm a oportunidade de expor os danos que vêm sofrendo e suas demandas, e o juiz, o Estado e a empresa possam escutá-los, vivenciamos um momento fundamental de construção da justiça democrática no país.” 

O Procurador-Chefe da República no Pará, Felipe de Moura Palha, defendeu na audiência a necessidade de paralisação total das atividades uma vez que o porto atua de forma ilegal sem uma licença válida. Segundo o MPF, sentenças de outras duas ACPs contra a empresa já haviam anulado as licenças ambientais, portanto o porto deveria estar com as atividades paralisadas.  

“Não se podia fazer nenhum tipo de conciliação que abrisse mão de direitos das comunidades já determinados em sentença judicial, quais sejam: que a operação seja paralisada imediatamente, que sejam feitos o EIA/RIMA que nunca foi feito desse empreendimento, que seja feitos os estudos dos componentes indígena, quilombola, das populações tradicionais e extrativistas da região, bem como de desembarque pesqueiro para se saber quais os impactos da operação de um porto dessa magnitude no Lago do Maicá, uma região de extrema sensibilidade ambiental e social”, enfatizou o Procurador. 

Foto: Dzawi

Atuação irregular 

O porto da Atem’s acumula irregularidades e processos judiciais. Desde o início das obras de instalação, em 2019, as comunidades tradicionais do Maicá denunciam a ausência de consulta prévia, livre e informada e os impactos socioambientais.  

O Lago do Maicá é o principal corpo hídrico da atividade pesqueira da região urbana de Santarém, sendo rico em biodiversidade. De acordo com dados da Colônia de Pescadores Z-20, o Lago abriga cerca de 140 comunidades ribeirinhas, somando uma com população de aproximadamente 35 mil pessoas. As comunidades quilombolas Pérola do Maicá, Arapemã e Saracura, por exemplo, estão situadas entre 1,7 km e 8,2 km do porto – distância inferior à prevista pela Portaria Interministerial nº 60/2015, que estabelece 10km como área de presunção de impactos de empreendimentos portuários. Além dessas, os danos do empreendimento alcançam outras comunidades quilombolas da região e cinco aldeias indígenas.  

Além da atual Ação Civil Pública, a empresa responde a outros dois processos pela falta de consulta prévia e a suposta fraude no licenciamento ambiental inicial do porto. De acordo com o Ministério Público do Pará e MPF – autores da ação -, a empresa omitiu ao órgão licenciador (Semas) a natureza da carga que seria transportada (petróleo e derivados), submetendo-se a um processo de licenciamento para cargas não perigosas, com exigências ambientais menos rigorosas. 

Atualmente, o porto da Atem’s está em operação e os impactos do empreendimento têm modificado as dinâmicas e modos de vida dos povos e comunidades tradicionais da área do rio Amazonas. A consulta prévia e os estudos de impacto ambiental são, para os povos e comunidades tradicionais, instrumentos fundamentais para avaliar a dimensão dos danos e reivindicar compensações e medidas de mitigação. 



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Casos Emblemáticos: Portos do Maicá
Eixos: Terra, território e justiça espacial