Comunidade Quilombola Família Xavier, em Arapoti (PR), comemora reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares
Franciele Petry Schramm / Fotos: Isabela Cruz, Fernando Prioste e Maria Eugenia Trombini
Reconhecimento é o primeiro passo no processo de titulação do território. Família Xavier é a comunidade quilombola mais recente reconhecida no Paraná. Nenhuma das comunidades do estado, no entanto, são tituladas.
A certidão emitida pela Fundação Cultural Palmares aos integrantes da Associação Quilombola Família Xavier em junho deste ano foi apresentada com orgulho no Encontro da Família Xavier, no último dia 25 de agosto. Esse é o documento que reconhece os descentes de Pedro Xavier como quilombolas. A comunidade está localizada no território da Fazenda Boa Vista, na cidade de Arapoti, a 240 km de Curitiba (PR).
O reconhecimento da existência da comunidade por parte da Fundação Cultural Palmares é o primeiro passo no processo de titulação da área como território quilombola. As 120 famílias da comunidade festejam a obtenção da certidão. “Era o sonho do povo ser reconhecido como quilombola”, comemora a presidenta da Associação, Silmara Xavier Carneiro.
O encontro das Famílias da comunidade foi uma das formas de articulação da comunidade, para preservação da memória e cultura, e conhecer o processo que deve resultar na titulação do território quilombola. Danças, apresentações artísticas, comidas, artesanato e roda de capoeira foram algumas formas de fortalecer e destacar o patrimônio sociocultural da comunidade ao longo do tempo.
Promovida pela Associação Família Xavier, a troca de saberes contou com a participação de integrantes da Terra de Direitos e da Federação Estadual de Comunidades Quilombolas (FECOQUI/ PR), que contribuíram com a explicação dos passos necessários para que as famílias ingressem com o processo administrativo no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – autarquia federal responsável por esses trâmites – e tenham, por fim, garantida a terra e os direitos das famílias quilombolas. Representantes da APP-Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná, que acompanham a comunidade ao longo dos anos, também participaram do Encontro.
De família
O nome da comunidade quilombola Família Xavier mostra como as pessoas estão ligadas por laços de sangue e de história. Silmara conta que essa foi uma das formas de homenagear os ancestrais, como seu tataravô Pedro Lázaro Xavier, que foi escravizado e trabalhou de forma forçada na fazenda.
Após a abolição formal da escravatura, os negros e negras permaneceram no local, mas foram expulsos com o avanço do agronegócio. A soja quase dizimou memórias importantes de mais de 300 anos da região. Nas terras da comunidade na Fazenda Boa Vista ainda está localizado o cemitério onde estão enterrados ancestrais da Família Xavier que foram escravizados, além de antepassados de comunidades negras de outras cidades próximas. Os túmulos simples estão ao redor das lápides onde estão enterrados também os antigos fazendeiros, separados ao centro.
Um casarão construído na época da escravidão e o espaço de senzala onde as pessoas escravizadas eram torturadas foram destruídos. No local, restam apenas ruínas.
A titulação da área para a comunidade quilombola é uma das formas de preservar essa história. O processo foi iniciado Incra em 2015, mas a mobilização das famílias pelo reconhecimento do local começou ainda antes. “Se a gente não tivesse começado com essa luta, esse lugar já teria virado em soja”, conta Silmara. “Não é só pela terra, mas pela preservação do povo da gente”, destaca.
A área está cadastrada como sítio arqueológico no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Os quilombolas, no entanto, estão impedidos de acessar o local até que as ruínas sejam restauradas.
Após o casarão ter sido parcialmente destruído, o Ministério Público do Paraná fez um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que obriga que o atual proprietário restaure o casarão e o cemitério. Com a concordância do fazendeiro, aguarda-se a autorização do Iphan para o início das obras.
No entanto, os quilombolas destacam a necessidade de participarem ativamente do processo de restauração, para que não seja conduzido exclusivamente pelo fazendeiro. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) determina que as comunidades quilombolas sejam consultadas no caso de obras que impactem a vida no território ou suas culturas.
Um longo caminho
A Família Xavier é a 38ª comunidade quilombola reconhecida pela Fundação Cultural Palmares no Paraná. O fato de nenhuma comunidade quilombola no estado ser titulada mostra que o caminho até que quilombolas da Comunidade Família Xavier possam ter o título da terra é longo.
Agora, será necessário que Incra elabore e publique o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). Após isso, o presidente do Instituto deve publicar a Portaria de Reconhecimento, para que o/a presidente da República publique o Decreto de Desapropriação por Interesse Social, para que os imóveis sejam vistoriados, desapropriados e pagos. Após isso, o Incra é responsável por emitir o título coletivo da terra para a associação quilombola.
Das 38 comunidades quilombolas reconhecidas no Paraná, em apenas 12 já houve início dos trabalhos de titulação por parte do Incra. No Instituto, os trabalhos são iniciados por ordem cronológica dos pedidos de titulação. Como a Comunidade Quilombola Família Xavier foi reconhecida mais recentemente, o início dos trabalhos do Incra para a elaboração do RTID deve começar apenas após iniciarem o processo das outras 26 comunidades que foram reconhecidas anteriormente.
A comunidade quilombola com processo mais avançado no Paraná é a Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha, que foi reconhecida pela Fundação Cultural Palmares em 2005. Mais de 10 anos depois e com o decreto de desapropriação já assinado, a comunidade aguarda que o Incra titule a área. Em fevereiro, durante uma atividade feita na comunidade localizada na cidade de Reserva do Iguaçu (PR), representantes do Incra informaram que uma primeira parte da área seria titulada até abril. Passados quatro meses do prazo previsto, não há indicações de que o território seja titulado.
Enquanto as terras não são tituladas, famílias vivem com a insegurança e são impedidas de acessar políticas públicas e saneamento básico.
A demora na titulação das comunidades no Paraná está ligada também a um desmonte nacional da política quilombola. Em 2018, o orçamento para titulação dos territórios no país caiu mais de 97%, comparado a 2013.
Apesar de a Constituição Federal determinar que as comunidades quilombolas fazem parte do patrimônio cultural brasileiro e que devem ter suas terras reconhecidas, apenas 6% dos territórios quilombolas possuem o título da área – na maior parte dos casos, apenas parte dos territórios foram titulados
Notícias Relacionadas
Orçamento para titulação de territórios quilombolas cai mais de 97% em cinco anos
Por Franciele Petry Schramm
Ações: Quilombolas
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos