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Código Florestal não preserva integralmente a biodiversidade, apontam advogados durante julgamento no STF


Defendida pela bancada ruralista, a Lei Federal 12.651/2012, conhecida como Novo Código Florestal, pode impactar a biodiversidade brasileira, como apontaram os advogados durante julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).

Nesta quinta-feira (14), os ministros do STF deram início ao processo de votação de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) que apontam que a legislação tem dispositivos que atentam contra o que determina a Constituição Federal, e de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 42, proposta pelo Partido Progressista (PP) e que defende a constitucionalidade da lei. Entre as ADIs, três foram ajuizadas pela Procuradoria Geral da República (PGR) e outra pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol).

A tarde foi voltada para a sustentação oral de advogados e advogadas, que acusaram ou defenderam partes da lei aprovada em 2012. A sessão foi encerrada após todas as falas, e os votos de ministros e ministras devem ser apresentados em outra data,  a ser anunciada pela presidenta Cármen Lúcia.

Representando as organizações de trabalhadores rurais que participam das ações como Amici Curiae – ou “amigos da corte”, que têm o papel de apresentar mais elementos para as decisões do Tribunal – o advogado Carlos Marés questionou a função da legislação enquanto instrumento de preservação ambiental.  “O Código Florestal é, antes de mais nada, a regulação da propriedade da terra. Ele não é um código ambiental, é um código de terra, agrário”, avalia.

Marés, que também integra o Conselho Consultivo da Terra de Direitos, questionou os argumentos utilizados pelos advogados contrários às ações, que indicaram defender um meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas também, um país desenvolvido. 

Carlos Marés lembrou que um dos argumentos para a aprovação da lei foi a de que ela beneficiaria pequenos agricultores, mas apontou como o Código Florestal vai no sentido contrário. “Os pequenos agricultores têm esperança de que filhos e netos continuem produzindo em suas terras, mas, para isso, é necessário que a natureza continue íntegra”, aponta.

O advogado representou seis organizações  Amici Curiae na defesa das ADIs, que desenvolvem trabalhos com agricultores:, Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais – (AATR/Bahia) , a ABRA - Associação Brasileira de Reforma Agrária , InGá Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais, Ong FASE, Núcleo Amigos da Terra /Brasil . Advogado do Instituto Socioambiental (ISA), Maurício Guetta também fez uma sustentação oral, e representou outras quatro entidades ligadas à preservação do meio ambiente.

Inconstitucionalidades

As ações de inconstitucionalidade que estão em julgamento no STF questionam dispositivos relacionados às Áreas de Preservação Permanente, à redução da Reserva legal, à anistia para quem desmatou e o descumprimento da função social da propriedade.

A nova lei deixa de recuperar mais de 29 milhões de hectares que foram desmatados até julho de 2008, e permite que outros 88 milhões de hectares sejam desmatados – área que equivale ao tamanho da de países como Itália e França, somados.

Além disso, diminui a área de proteção florestal ao permitir que as Áreas de Preservação Permanente – regiões de proteção próximas a rios e nascentes de água – possam ser consideradas áreas de Reserva Legal. A Lei determina que as propriedades agrícolas devem ter 20% de reserva.

“A função de uma e outra é diferente. Muitos animais e plantas que vivem na mata ciliar não vivem na reserva legal”, explica Marés. “Há a necessidade, do ponto de vista científico, das duas. Juntar é bom, mas substituir uma pela outra é criminoso do ponto de vista ambiental”.

O Código Florestal aprovado em 2012 também permite que áreas de Reserva Legal sejam compostos de até 50% de espécies de plantas exóticas, ou seja, que não são nativas do local, e possibilita que a reserva seja fora da região onde está localizada a propriedade rural.

O advogado alerta para o risco dessa medida, já que deixariam de ser recompostas áreas em diferentes estados que, apesar de terem o mesmo bioma, têm espécies de árvores diferentes.

“É isso o que determina a Constituição Federal: a preservação da biodiversidade. E isso só se faz com essências nativas. Isso não é ideia de um jurista, mas de um estudo que aponta o que é necessário para preservação”, comenta.

Uma pesquisa publicada no ano de 2014 aponta que áreas com coberturas vegetais abaixo de 30% são capazes de manter apenas espécies generalistas – que se se adequam a diferentes ambientes. A falta de espécies que vivem em habitats específicos comprometeria a biodiversidade da região.

A pesquisa foi apresentada pelo professor da Universidade de São Paulo (USP),  Jean Paulo Metzger, durante audiência pública realizada no STF, em abril de 2016.

Impactos da lei

Cinco anos após a aprovação do Novo Código Florestal, os impactos já podem ser sentidos. Entre 2015 e 2016 foram registradas as maiores taxas de desmatamento da Amazônia Legal nos últimos 10 anos, segundo estudos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Mesma situação foi encontrada na Mata Atlântica, que registrou um aumento de 60% de desmatamento no período.

Além disso, estima-se que, desde que foi a nova lei foi implantada até o fim de 2016, houve um aumento de 75% de desmatamento da Amazônia, como aponta o Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD), operado pela Imazon.

Advogado integrante do Instituto Socioambiental (ISA), Maurício Guetta, alerta para impactos que já estão sendo sentidos com o aumento do desmatamento no país. “O Nordeste vive a pior seca da história, o que é muito significativo visto o histórico daquela região. O Cerrado, berço das águas do Brasil, também passa pela pior crise hídrica”, aponta Guetta.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também tem alertado para os impactos da nova lei sobre o sistema de águas do país. Em carta enviada no último dia 8 à presidenta do STF, ministra Cármen Lúcia, a SBPC apontou impactos sociais, ambientais e econômicos da nova legislação.

“É preciso compreender o que a ciência vem alertando há décadas: vegetação nativa é sinônimo de água. Sem ela, além da óbvia ameaça à sobrevivência da população, estarão em risco as atividades agrícolas, pecuárias e de silvicultura, que consomem cerca de 70% dos recursos hídricos utilizados no país, e as industriais, que respondem por cerca de 20% do consumo, além da produção de energia”, destaca o texto.

Assista o iníco do julgamento no STF: Parte 1 | Parte 2



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