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Carta da 15ª Jornada de Agroecologia



 

A 15ª Jornada de Agroecologia reafirmou a necessidade de construir espaços de resistência e autonomia frente ao capital em defesa de uma produção agroecológica e da soberania alimentar. RealizadO entre 27 e 30 de julho, em Lapa-PR, o evento reuniu cerca de 3 mil pessoas,  entre agricultores e agricultoras, estudantes e pesquisadores.

Tal posicionamento é trazido na Carta da 15ª Jornada de Agroecologia, documento que resulta dos quatro dias de debates. Oficinas, seminários, troca de experiências, exposições, atividades culturais e troca de sementes celebram uma produção que respeite e preserve o bem estar de agricultores e agricultoras, consumidores e consumidoras, além do meio ambiente.

“A agroecologia não é mera técnica, é uma relação de cuidado com a nossa Casa Comum que é a Terra. Lutamos pela agroecologia como forma de superação das crises econômica, política, social e ambiental, sobretudo pela transformação da sociedade”, afirma trecho da Carta.

O documento aponta que o golpe, e um Estado à serviço das classes dominantes, o desmonte das ainda incipientes conquistas na construção de políticas públicas para a agroecologia, constitui-se em grave retrocesso, uma vez que no país se mantém intocada a estrutura de concentração da terra, em que 1% dos proprietários rurais detém quase 50% das terras agricultáveis e acelera a atuação no Poder Legislativo para aprovar leis de agrotóxicos que permitem a liberação de mais agrotóxicos banidos em outros países, por seus efeitos nefastos que ameaçam a saúde humana e a natureza.

"Continuamos a nossa luta por uma terra livre de latifúndios, sem transgênicos e sem agrotóxicos, e pela construção de um projeto popular e soberano para a agricultura".

>> Leia: Jornada de Agroecologia reafirma necessidade de construir espaços de resistência e autonomia frente ao capital

Acesse a carta aqui ou leia abaixo:

Carta da 15ª Jornada de Agroecologia

Nós, mais de 3 mil participantes da 15ª Jornada de Agroecologia, vindos de diferentes regiões do Brasil e de outros 7 países, reunidos na cidade da Lapa, Paraná, Brasil, entre os dias 27 e 30 de julho de 2016, reafirmamos nosso compromisso com a agroecologia e, assim, continuamos a nossa luta por uma terra livre de latifúndios, sem transgênicos e sem agrotóxicos, e pela construção de um projeto popular e soberano para a agricultura.

Nesta Jornada, vivemos um momento de grande mudança na conjuntura brasileira, que nos coloca novos e grandes desafios, pois estamos em meio a uma ruptura democrática. Assim, denunciamos o recente golpe de Estado e nãoreconhecemos a legitimidade do pretenso governo Temer.

Estemomento político e econômico do Brasil está relacionado com as disputas internacionais do capitalismo. Este cenário se constituidesde 2008, quando o sistema capitalista começou a entrar numa crise de superprodução que colocou em risco sua reprodução. Para tentar superar a crise os capitalistas atacam e privatizam os recursos naturais (petróleo, minérios, água, terra e biodiversidade) e aumentam a exploração do trabalho através da redução de direitos trabalhistas e previdenciários. Neste contexto, o golpe de Estado praticado pela burguesia no Brasil, com explícito apoio de setores do judiciário, dagrande mídia comercial, dos setores empresariais produtivos, especulativos e do capital financeiro internacional, se concretiza como uma forma de acelerar estas saídas da crise, ou seja, aumentar os processos de privatizações, de exploração do trabalho, apropriação dos bens comuns, a intensificação da violência e a criminalização dos movimentos sociais.

Antagonicamente, desde os anos 2000 constrói-se no Brasil um forte e diverso movimento agroecológico, agregando movimentos sociais populares, instituições públicas, cientistas, acadêmicos, estudantes, técnicos, agricultores ecologistas e redes de sementes e de consumidores, articulando-se com movimentos internacionais, sobretudo, latinoamericanos.

Estas forças sociais se levantam e se contrapõem à monocultura das ciências agrárias subordinadas ao agronegócio, ao latifúndio do conhecimento e da terra, aos falsos padrões impostos pela indústria cultural, à paralisação da reforma agrária e à dominação das corporações que concentram a exploração em poucas grandes empresas. Essas grandes empresasnão enriquecem as regiões, controlam a oferta da produção agrícola, manipulam seus preços nas bolsas de valores, impõem os agrotóxicos, os transgênicos e o patenteamento das sementes, destroem a biodiversidade e a saúde humana, contaminam os alimentos, alteram negativamente a natureza, geram desequilíbrio ecológico e vendem falsas soluções, como a agricultura climaticamente inteligente e o capitalismo verde. Ou seja, as empresas capturam governos e, assim, atentam contra a democracia, constituindo uma verdadeira ditadura do capital.

O Movimento Social Agroecológico reconhece, ainda que com críticas, o início da estruturação de uma política pública nacional para a agroecologia, sintetizada na proposta do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, anunciado em 2013. Neste momento, com o golpe, o desmonte dessa política pública constitui-se em grave retrocesso,pondo em risco todas as ainda incipientes conquistas na construção de políticas públicas para a agroecologia.

Neste cenário de golpe denunciamos que o Estado,a serviço das classes dominantes, atende ainda mais seus interesses quando:

  • Extingue o Ministério do Desenvolvimento Agrário, criado depois do Massacre de Eldorado dos Carajás para atender os camponeses e camponesas, que desenvolvia políticas públicas de formação, educação e assistência técnica nos assentamentos; crédito e seguro para a agricultura familiar; fortalecimento do cooperativismo; assentamentos extrativistas; desenvolvimento territorial; políticas públicas para Povos e Comunidades Tradicionais;

  • Quando vincula o INCRA à Casa Civil, para impedir a realização da reforma agrária no contexto do golpe;

  • Quando propõe a privatização da CONAB, precarizando o processo de comercialização, abastecimento e controle de preços dos alimentos produzidos pela Agricultura Familiar e Camponesa.

  • Propõe a reforma da previdência, visando estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria, aumentando, em média, dez anos o tempo de serviço dos trabalhadores;



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Se não bastasse isso, quando o Estado:
  • Destina cerca 2,7 bilhões de reais por dia ao pagamento da dívida pública aos bancos, cerca de 40 vezes mais do que destina para a agricultura;

  • Mantém intocada a estrutura de concentração da terra, quando 1% dos proprietários rurais detém quase de 50% das terras agricultáveis;

  • Não realiza a reforma agrária e paralisa a demarcação das Terras Indígenas e a titulação dosTerritórios Quilombolas;

  • Propõe através do PL 4059/2012 e PL 2269/2007, com apoio explícito do governo golpista do Temer, liberar a compra de terras no Brasil por estrangeiros, projeto que fere a soberania nacional e dificulta ainda mais a Reforma Agrária. Soma-se a estes Projetos de Lei, as tentativas de privatizar os assentamentos de Reforma Agrária (titulação definitiva).

  • Desmonta as atuais leis de agrotóxicos para permitir a liberação de mais agrotóxicos banidos em outros países, por seus efeitos nefastos que ameaçam a saúde humana e a natureza, o que contribuirá para aumentar a atual média de consumo de 7,3 litros de agrotóxicos per capita por ano. Reduz atuação do Ministério do Meio Ambiente e da Anvisa para liberar agrotóxicos propondo, através do PL 3200/2015 (PL do Veneno), mascarar o termo agrotóxico substituindo-o pelo termo "defensivo fitossanitário", bem como através da criação da CTNFito, nos moldes da CTNBio, como instância facilitadora para a liberação de novos e mais danosos agrotóxicos. Além disso, autorizou a pulverização aérea em áreas urbanas através da Lei 13.301/2016;

  • Não fiscaliza e não aplica sanções à contaminação genética das sementes agroecológicas, bem como a necessária rotulagem de produtos que contém transgênicos; não monitora o cumprimento das normas de biossegurança no cultivo dos transgênicos, nem a contaminação da água e dos alimentos por agrotóxicos; e ignora também a intoxicação dos trabalhadores do campo e de toda a população que consome alimentos contaminados e/ou está submetida à pulverização aérea;

  • Este mesmo Estado, além de criar leis e normas restritivas à agricultura camponesa e agroecológica, fiscaliza com rigor exemplar e desproporcional as iniciativas de comercialização, agroindustrialização e circulação da produção camponesa;

  • Através do PL 4148/2008 (PLC 34/2015 no Senado), propõe isentar as empresas de rotularem os produtos transgênicos; do PL 827/2015, limitar os direitos dos agricultores e agricultoras a produzir suas próprias sementes; do PL 4961/2005, permitir o patenteamento de seres vivos; do PL 1117/2015 “TERMINATOR”, liberar as sementes estéreis;e da PEC 215 retirar direitos constitucionalmente asseguradosaos Povos Indígenas e Quilombolas;

  • Propõe a privatização da educação, apoia a escola sem partido e a desvinculação dos investimentos em saúde e educação das receitas da União;

  • Fecha as escolas públicas no campo e do campo (entre 2003 e 2012 foram fechadas 29.459 escolas do campo no Brasil, 759 no Paraná), e incentiva o desenvolvimento de projetos de empresas privadas e corporações transnacionais, a exemplo da Syngenta e Souza Cruz, que estimulam o uso de agrotóxicos nas escolas públicas como ocorre no “Projeto Agrinho” e “Projeto Agora” da Monsanto e Syngenta.

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Nesta 15ª Jornada de Agroecologia reafirmamos as seguintes exigências:
  • Da garantia do direito à terra e ao território aos povos indígenas, quilombolas, camponeses e povos de comunidades tradicionais como condição primeira para avançar no projeto popular agroecológico e soberano para a agricultura;

  • De assentar todas as 129 mil famílias acampadas no Brasil;

  • De garantir o acesso à terra aos jovens e às mulheres como condição fundamental de permanência digna no campo;

  • De garantir aos jovens e mulheres acesso às políticas públicas de educação, cultura, moradia, saúde, esporte, lazer, previdência, crédito e combate à violência;

  • De não retroceder naconstrução da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica(PNAPO), e de efetivar o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO) como um programa estruturante para a Agroecologia; bem como no Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e o PAA Sementes;

  • De garantir a permanência e a ampliação do Programa Nacional de Alimentação Escolar(PNAE) assegurando o mínimo de 30% de alimentos oriundos da agricultura familiar camponesa.

  • De garantira manutenção, fortalecimento e ampliação da rede de Escolas Públicas de Educação no campo;

  • De garantiros recursos necessários, através do INCRA/PRONERA, para viabilizar a rede de escolas do campo, inclusive as itinerantes, cursos técnicos e superiores de agroecologia e outras áreas do conhecimento.

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Diante desse contexto nós, mulheres e homens, idosos, jovens e crianças participantes desta 15ª Jornada de Agroecologia, reafirmamos que a Jornada é uma experiência de massificação popular da pesquisa e da ciência, espaço de troca de experiências práticas e de desenvolvimento do conhecimento e do método camponês (a) a camponês (a).Também reafirmamos a necessidade de nos somarmos às forças progressistas da sociedade brasileira, com destaque à Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo. Posicionamos-nos na defesa da democracia e dos direitos, resistindoao golpe e lutando:
  • Pelo restabelecimento da democracia em nosso país;

  • Por uma ampla reforma democrática do sistema político brasileiro, sem o financiamento empresarial de campanhas;

  • Pelo restabelecimento do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do INCRA, bem como a manutenção da CONAB como empresa pública;

  • Por apoio a agroecologia e à produção de alimentos saudáveis;

  • Pela não privatização do petróleo, riqueza do povo brasileiro;

  • Contra a redução da maioridade penal;

  • Pela taxação de grandes fortunas;

  • Pela democratização da mídia e dos meios de comunicação;

  • Pelo fim dos privilégios e pela democratização do sistema de justiça;

  • Contra a terceirização e pela manutenção dos direitos trabalhistas, previdenciários e todos os direitos constitucionalmente assegurados. Nenhum direito a menos!

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Diante do golpe, reafirmamos mais do que nunca a necessidade de construirmos nossos espaços de resistência e autonomia frente ao projeto do capital. A agroecologia não é mera técnica, é uma relação de cuidado com a nossa Casa Comum que é a Terra. Lutamos pela agroecologia comoforma de superação das crises econômica, política, social e ambiental, sobretudo pela transformação da sociedade.

“Terra Livre de Transgênicos e Sem Agrotóxicos”

“Construindo um Projeto Popular e Soberano para a Agricultura”

“Cuidando da Terra, Cultivando Biodiversidade e Colhendo Soberania Alimentar”

Lapa, Paraná, Brasil, 30 de Julho de 2016.

Plenária da 15ª Jornada de Agroecologia!



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Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar