Nota coletiva: Segurança pública não se faz com sangue

Mais de cem organizações sociais, institutos de pesquisa e movimentos populares manifestam, em nota coletiva, que a chacina conduzida pelas forças de segurança pública do Rio de Janeiro nos Complexos do Alemão e da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro (RJ), na noite desta terça-feira (28), configuram-se como "um longo e tragico histórico de matanças cometidas pelas forças policiais do estado - apresentadas, equivocadamente, como política pública".
Considerada a mais letal da história, a Operação Contenção envolveu cerca de 2,5 mil agentes das polícias Civil e Militar, sob pretexto de cumprir mais de cem mandados de prisão contra traficantes ligados ao Comando Vermelho (CV). Até o momento são contabilizadas 121 mortes pela Operação. Em nota as organizações destacam que "não há justificativa para uma política estatal, supostamente voltada para a proteção da sociedade, continue a ser conduzida a partir do derramemento de sangue", aponta um trecho do documento.
Veja a nota completa
Segurança pública não se faz com sangue
A operação mais letal da história do Rio de Janeiro, a Operação Contenção, nesta terça (28), expõe o fracasso e a violência estrutural da política de segurança no estado e coloca a cidade em estado de terror.
A chacina que se desenrola desde as primeiras horas desta terça-feira (28), nos complexos de favelas do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, inscreve-se em um longo e trágico histórico de matanças cometidas por forças policiais no estado — apresentadas, equivocadamente, como política pública. Até o momento, já são 121 pessoas mortas em uma única operação — a mais letal da história do Rio de Janeiro.
A perda massiva de vidas reitera o padrão de letalidade que caracteriza a gestão de Cláudio Castro, governador que detém o título de responsável por quatro das cinco operações mais letais da história do Rio de Janeiro, superando seus próprios recordes anteriores registrados no Jacarezinho (2021) e na Vila Cruzeiro (2022). O que o governador Cláudio Castro classificou hoje como a maior operação da história do Rio de Janeiro é, na verdade, uma matança produzida pelo Estado brasileiro.
Ao longo dos quase 40 anos de vigência da Constituição Federal, o que se viu nas favelas fluminenses foi a consolidação de uma política de segurança baseada no uso da força e da morte, travestida de “guerra” ou “resistência à criminalidade”. Trata-se de uma atuação seletiva, dirigida contra populações negras e empobrecidas, que tem no sangue seu instrumento de controle e dominação.
Não há nela elementos que efetivamente reduzam o poderio das facções criminosas nos territórios. Pelo contrário: essas ações aprofundam a insegurança e o medo, instalam o pânico, interrompem o cotidiano de milhares de famílias, impedem crianças de ir à escola e impõem o terror como expressão de poder estatal. A morte não pode ser tratada como política pública.
Esse ciclo de violência não é acidental: ele decorre de uma estratégia deliberada que privilegia o confronto armado em detrimento de qualquer compromisso com a vida e com a legalidade. Durante seu pronunciamento, o governador ainda tentou responsabilizar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 635 — a ADPF das Favelas — e as organizações da sociedade civil que atuaram por sua implementação, pela letalidade da operação. Ao fazer isso, ataca o controle das polícias, papel constitucionalmente atribuído ao Ministério Público, e busca deslegitimar o trabalho das entidades que lutam pelo direito à vida nas favelas.
Castro ainda atuou politicamente para esvaziar a ADPF 976 no Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de liberar as forças de segurança de obrigações legais como planejamento prévio e preservação de vidas.
O Manual sobre o Uso da Força e Armas de Fogo por Agentes da Segurança Pública, publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), estabelece princípios fundamentais que devem orientar toda ação policial: legalidade, necessidade, proporcionalidade, precaução e responsabilidade. As operações conduzidas pelo Estado do Rio de Janeiro violam frontalmente todos esses parâmetros, configurando uma prática sistemática de uso ilegítimo da força letal.
O Brasil e o Estado do Rio de Janeiro já foram reiteradamente advertidos pela Organização das Nações Unidas e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o caráter racista e discriminatório da política de “guerra às drogas”, que define quem morre e quem vive nas favelas e periferias. O Estado fluminense acumula duas condenações na Corte Interamericana de Direitos Humanos — pelas chacinas de Acari (1990) e Nova Brasília (1994 e 1995) — e segue reproduzindo o mesmo padrão de violência. Nos últimos dez anos (2014–2024), 5.421 jovens de até 29 anos foram mortos em intervenções policiais, segundo o Instituto de Segurança Pública.
Desde os anos 1990, sucessivos governos ignoram propostas de segurança pública orientadas pela prevenção, pela redução da violência e pelo fortalecimento de direitos. O investimento segue voltado ao confronto, com resultados trágicos e repetidos: mais mortes, mais dor e nenhuma segurança.
O que se testemunha hoje é o colapso de qualquer compromisso com a legalidade e os direitos humanos: o Estado substitui a segurança pública baseada em direitos por ações militares de grande escala. Sob o pretexto da “guerra às drogas”, instala-se um estado de insegurança permanente, voltado contra a população negra e pobre das favelas.
Não há justificativa para que uma política estatal, supostamente voltada à proteção da sociedade, continue a ser conduzida a partir do derramamento de sangue. A segurança pública deve garantir direitos, não violá-los. As moradoras e os moradores das favelas têm direito à vida, à integridade física e à paz — e isso não é negociável.
Rio de Janeiro (RJ), 29 de outubro de 2025.
Anistia Internacional Brasil
Justiça Global
Centro de Estudos de Segurança e Cidadania — CESeC
Conectas Direitos Humanos
Centro pela Justiça e o Direito Internacional — CEJIL
Instituto Papo Reto do Complexo do Alemão
Movimentos
Redes da Maré
Instituto de Estudos da Religião — ISER
Observatório de Favelas
Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (NAJUP) Luiza Mahin
Movimento Unidos dos Camelôs
Grupo Tortura Nunca Mais — RJ
Fórum Popular de Segurança Pública do Rio de Janeiro
CIDADES - Núcleo de Pesquisa Urbana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Instituto de Defensores de Direitos Humanos — DDH
Iniciativa Direito Memória e Justiça Racial
Frente Estadual pelo Desencarceramento — RJ
Instituto Terra Trabalho e Cidadania — ITTC
Associação de Amigos/as e Familiares de Pessoas Presas e Internos/as da Fundação Casa — Amparar
Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares — GAJOP
Instituto Sou da Paz
Rede Justiça Criminal
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional — FASE RJ
Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares — RENAP RJ
Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência
Casa Fluminense
Plataforma Justa
Núcleo de Estudos e Pesquisa Guerreiro Ramos - Negra-UFF
Comissão Arns
Educafro
Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades — CEERT
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
CDH Sapopemba
Coalizão pela Socioeducação
Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social — CENDHEC
Criola
Associação Brasileira de Imprensa — ABI
Decodifica
Rede Liberdades
Terra de Direitos
Pastoral Carcerária Nacional
Instituto de Defesa do Direito de Defesa — IDDD
IDEAS — Assessoria Popular
Centro de Integração na Serra da Misericórdia — CEM
Movimento do Ministério Público Democrático — MPD
Instituto Marielle Franco
Aliança Nacional LGBTI+
Associação Brasileira de Famílias Homotrasnafetiva - ABRAFH
Grupo Dignidade
Instituto Brasileiro de Diversidade Sexual (IBDSEX)
Centro Paranaense de Cidadania (CEPAC)
Gay Latino
Plan International Brasil
Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos — FADDH
Transparência Internacional - Brasil
Fundação Tide Setúbal
Inesc instituto de estudos socioeconômicos
Instituto Democracia em Xeque
Rede A Ponte
Brazil Office Alliance
Kurytiba Metropol
Escola da Democracia
Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec)
Oxfam Brasil
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais — IBCCRIM
Rede Conhecimento Social
Laboratório de Políticas Públicas e Internet — LAPIN
O Joio e O Trigo
Instituto Alziras
Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito
Instituto Foz
Movimento Mães em Luto da Zona Leste
Movimento Mães de Cárcere
Grupo de pesquisa Violências de Estado e reparações: interdisciplinaridades e interseccionalidades na perspectiva de raça gênero, classe e território
Centro de Direitos Humanos de Sapopemba Pablo Gonzáles Olalla — CDHS
Anjos do Gueto
Cedeca Sapopemba
Agenda Nacional pelo Desencarceramento
Coletivo Vozes de Mãe
Movipece
Delibera Brasil
Transparência Eleitoral Brasil
Observatório do Trauma Psicopolitico — USP/UNIFESP
Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Democracia e Memória do Instituto de Estudos Avançados da Usp
Laboratório de Psicanálise, Sociedade e Política do Instituto de Psicologia da Usp
Grupo de pesquisa "Violências de Estado e reparações: interdisciplinariedades e interseccionalidades na perspectiva de raça gênero, classe e território"
NCAF-SGD - Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes, Famílias e Sistema de Garantia de Direitos. PPGSS-PUCSP
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Aprofundamento Marxista — NEAM/PPGSS-PUCSP
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ANDI — Comunicação e Direitos
Instituto Physis — Cultura & Ambiente
Frente Estadual pelo desencarceramento Ceará
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Piauí
Rádio Novelo
Instituto Pro Bono
Frente Estadual pelo Desencarceramento Paraná
Clínica de Direitos Humanos da Unifesp
Projeto Reparações do Caaf/Unifesp
Comitê Defend Democracy in Brasil- Nova York-Estados Unidos
A Frente Estadual pelo desencarceramento da Bahia
Coletivo de Familiares de Pessoas Privadas da Liberdade — Bahia
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro
Rede de Comunidades e Movimentos Contra Violência
Rede Nacional de Mães e Familiares de Vitimas do Terrorismo do Estado
Movimento Candelária Nunca Mais
Frente Estadual pelo Desencarceramento de Santa Catarina
Fórum Popular de Segurança Pública /Ceará
Movimento Mães do Curió
Rede de Mulheres Negras do Ceará
Instituto Negra do Ceará
Rede Estadunidense pela Democracia no Brasil — USNDB
Coletivo - RJ Memória , Verdade, Justiça e Reparação
Proyecto de Derechos Económicos, Sociales y Culturales — ProDESC/México
INREDH — Ecuador
También nosotros, Centro de Estudios Legales y Sociales — CELS
Artigo 19 Brasil
Artigo 19 América do Sul
Derechos Digitales
WOLA — Oficina en Washington para Asuntos Latinoamericanos
Fundación Cristosal
Centro de Políticas Públicas y Derechos Humanos — Perú EQUIDAD
Coordinadora de Derechos Humanos del Paraguay — Codehupy
Consorcio Oaxaca
Greenpeace
The Intercept
Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad — Dejusticia
Frente Distrital pelo Desencarceramento - DF
Rede Nacional de Pesquisa em Saúde Mental de Crianças e Adolescentes
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos
