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Povos e comunidades tradicionais do Paraná afirmam que só há justiça climática com proteção territorial


Diretamente afetados pela crise climática clima, o grupo destaca que qualquer solução à crise deve reconhecer os saberes dos povos  

A atividade cntou com participação de povos tradicionais e agricultores familiares de várias regiões. Foto: LIzely Boges

Povos e comunidades tradicionais do Paraná reivindicam, em um documento, a importância do avanço na proteção dos territórios e dos povos tradicionais como condição para o enfrentamento da crise climática. Resultado da oficina ‘Povos Tradicionais, Crise Climática e Caminhos de Luta’ realizada em Curitiba (PR), nos dias 15 a 17 de julho, os diversos segmentos presentes enfatizaram no manifesto que “somente com a devida regularização territorial, teremos segurança para desenvolver nossos modos de vida e práticas tradicionais de manejo da terra e proteção da biodiversidade, que nos colocam na vanguarda da luta contra a crise climática”, aponta um trecho da carta.  

 :: Acesse aqui a Carta dos Povos Indígenas, Quilombolas, Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares do Paraná à COP. 

Com uma relação de estreito vínculo com o território, os povos indígenas, quilombolas, povos tradicionais e agricultores familiares denunciam a morosidade e a omissão do estado do Paraná e Governo Federal nos processos de regularização fundiária das terras e territórios. Um exemplo é a lentidão na titulação das 39 comunidades quilombolas com processos abertos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), autarquia responsável pela regularização fundiária. Até o momento apenas a comunidade quilombola Paiol de Telha possui um título – ainda parcial – da área reconhecida de direito das famílias.  

“A proteção dos territórios de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais é a principal medida de mitigação e adaptação para o enfrentamento à crise climática. Esses territórios preservam florestas, nascentes, biodiversidade com seus conhecimentos tradicionais e modos de vida próprios para redução das emissões de gases de efeito estufa”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Kathleen Tie. “No entanto a morosidade do Estado brasileiro em demarcar, titular e regularizar esses territórios expõe famílias a conflitos, violações de direitos e pressões do avanço do agronegócio, mineração e outros tipos de mercado”, complementa.  

Foto: Lizely Borges

Racismo ambiental e climático 
Para o pescador Misael Jefferson Nobre, do Ilhéu do Rio Paraná, em Querência do Norte (PR), a construção da Barragem de Itaipu não foi a única medida que impactou duramente os ribeirinhos e pescadores artesanais da região. Além da barragem do Rio Paraná desagregar as famílias, as famílias tentam resistir a novas frentes de exploração das águas.   

“Éramos 12 mil famílias e hoje somos só 500 famílias. Além do avanço do turismo para cima do território, temos contaminação das águas que você não consegue pegar peixe. Isso sem contar a lâmina d’ água. Onde tinha 12 metros de profundidade, hoje tem 1 metro. Temos ilhéus que na frente de sua casa não tem mais água”, relata. Os impactos da crise climática clima pelo avanço do capitalismo está matando a gente pouco a pouco. Tanto o meio ambiente quanto quem está ali”, complementa. 

A crítica de Misael dialoga com a denúncia feita pela Pré-COP30 das Quebradeiras de Coco Babaçu e da Rede dos Povos e Comunidades Tradicionais em carta endereçada à presidência da República Lula, e a presidência da COP, André Correa do Lago sobre os impactos desproporcionais da crise climática a povos tradicionais, grupos que já tem menor acesso a recursos e políticas de proteção.  

Ainda em processo de titulação e localizada em Reserva do Iguaçu (PR), o quilombo Paiol de Telha sofre com a contaminação do território pela aplicação de agrotóxicos. “Nossos dois núcleos rurais são cercados por monocultura. Enfrentamos veneno aplicado por avião, que até passou em cima das casas das pessoas. Não temos mais quase reserva nativa, nossas fontes de água estão secando. O que a gente está vendo – as expressões da crise climática - vemos há décadas. E somos nós que estamos sofrendo todos estes anos”, relata Djankaw Kilombola de Lima Marques.  

Foto: Lizely Borges

‘Nada sobre nós sem nós’ 
Na atividade realizada pela Terra de Direitos, com apoio do Ekoa - Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental da Universidade Federal do Paraná, Coletivo Marmitas da Terra e a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Estado do Paraná (Fetaep), os povos destacam como há tempos, pelas práticas tradicionais que desenvolvem, possuem uma relação de respeito e de preservação do meio ambiente.   

“Os mais velhos não trazem como conceitos de agroecologia e biodiversidade, mas fazem estas práticas ancestrais na comunidade, que é o manejo sustentável da terra, que é a proteção das sementes”, aponta a quilombola da Comunidade quilombola Adelaide Maria Trindade Batista, em Palmas, e integrante da coordenação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Maria Isabel Cabral.  

O Cacique Cornelio Veravy Alves, da Tekoha Vy a Renda, localizada em Santa Helena (PR), reforça que há tempos os povos indígenas veem alertando há décadas sobre impactos para a saúde, meio ambiente e humanos pela adoção de um modelo explorador da natureza. “Muitos dos nossos cheramoi [anciões] já falavam do clima, o que ia acontecer futuramente. E agora estamos numa realidade que está acontecendo, muitos impactos”, destaca.  

Localizado no oeste do Paraná, o território indígena tem sofrido diretamente com o aumento do assédio e expansão do agronegócio na região. De acordo com levantamento realizado pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), a região nos quais a TI Tekoha Guasu Guavirá se insere em sua quase totalidade, têm atualmente 80% do conjunto de suas áreas destinado às monoculturas de commodities agrícolas. “Nós, principalmente indígenas, somos afetados diretamente pela questão do meio ambiente”, denuncia o Cacique.  

Por serem diretamente afetados pelos empreendimentos e portadores de conhecimento e de práticas de preservação do meio ambiente, os segmentos presentes na oficina reivindicam ampla e contínua participação na política climática e na Conferência Mundial da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP30. A edição deste ano é sediada pelo Brasil e a agenda internacional acontece em Belém (PA), entre 16 a 21 de novembro. 

“Somos nós que plantamos, preservamos, resistimos e vivemos as consequências da crise climática. Somos nós que temos as respostas. Nada sobre nós sem nós”, enfatizam na carta.  

 

 



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos

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