A voz e a vida: a COP 30 expôs a urgência de proteger e ouvir os defensores ambientais
Suzany Brasil e Alane Luzia da Silva*

A realização da COP 30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) em Belém, no coração da Amazônia, posicionou o Brasil no centro do debate global, mas seu legado está marcado por uma contradição gritante: o país continua a ser um dos mais perigosos do mundo para os defensores de direitos humanos, do meio ambiente e do clima, cujas vozes são cruciais para a conservação da floresta e o combate à crise climática.
A escolha de Belém como sede da COP 30 não foi apenas simbólica; é um reconhecimento da Amazônia como um elemento-chave para a regulação climática mundial. E são os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses e as demais comunidades tradicionais que vivem e protegem esses territórios que estão na linha de frente da ação climática. São eles que, muitas vezes com recursos limitados, resistem à pressão de atividades predatórias como como o garimpo, o agronegócio, a extração de madeira e a grilagem de terras, que são as principais causas do desmatamento e das emissões de gases de efeito estufa no Brasil.
Contudo, essa atuação vital tem um custo alto. A violência contra esses defensores é uma realidade persistente, marcada por ameaças, agressões e assassinatos. A omissão do Estado em garantir a segurança e a impunidade dos agressores criam um ciclo vicioso de medo e vulnerabilidade. Nesse contexto, a COP 30, que buscou fortalecer compromissos de redução de emissões e adaptação entre países, expôs a hipocrisia de um país que sedia um evento global de clima enquanto falha em proteger seus principais agentes de mudança.
Essa lógica de exclusão e silenciamento, no entanto, não se limitou às fronteiras nacionais; ela se reproduziu dentro dos próprios espaços da conferência. A Zona azul da COP30 – espaço onde ocorrem as negociações e que somente pessoas credenciais podem acessar - soa para os povos e comunidades tradicionais e para as defensoras e defensores de direitos humanos como um espaço estéril. Já são 30 anos de encontros e o planeta segue aquecendo, sem que o documento final da Conferência sequer tenha mencionado os combustíveis fósseis, considerados os principais responsáveis pelo aquecimento planetário.
A COP30 em Belém foi a mais representativa até hoje quando se fala do número de participantes de comunidades indígenas.[1] No entanto, de acordo com a Coalizão Kick Big Polluters Out, 1.600 lobistas de combustíveis fósseis compareceram à Conferência, representando 1 a cada 25 participantes.
Para as defensoras e defensores de direitos humanos ter presença não significa ter poder. No dia 11 de novembro, indígenas tentaram entrar na Zona Azul, porém a resposta recebida foi uma barreira física e institucional. No dia seguinte, o povo Munduruku (PA) foi impedido de entrar na Zona Verde portando arco e flecha, que são elementos da expressão cultural indígena.
Por outro lado, a Cúpula dos Povos, ao contrário disso, construiu um espaço coletivo de colaboração e intercâmbio com disposição das organizações e movimentos presentes para superar as barreiras linguísticas e culturais para debater em conjunto as soluções para proteger os territórios e salvar o planeta.
Organizações como Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos e Terra de Direitos construíram parcerias com organizações de África, Ásia, Europa e de diversos países da América Latina e pautaram a importância de proteger as defensoras e os defensores socioambientais e dos direitos humanos. As defensoras e defensores de direitos humanos devem ser valorizados e estar na centralidade da tomada de decisões relacionados com as mudanças climáticas e com a transição justa.
A proteção aos defensores não é apenas uma questão de direitos humanos básicos, mas um imperativo de justiça climática. A justiça climática pressupõe que os grupos mais vulneráveis e que menos contribuíram para a crise participem das decisões e sejam beneficiados pelas soluções. Quando as vozes dos ativistas são silenciadas pela violência, a sociedade como um todo perde a capacidade de implementar políticas ambientais que combinem proteção ecológica e justiça social.
O Brasil possui mecanismos legais, como o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) e o recente Plano Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos. No entanto, a eficácia dessas políticas é frequentemente questionada diante da escalada de violência e dos desafios na sua implementação, como a morosidade dos sistemas de proteção e a dificuldade em garantir legitimidade e eficácia no plano federal e estadual.
Durante a COP 30, a "Marcha pelo Clima" em Belém e outros eventos paralelos foram cruciais para levar a luta e a resistência dos povos às ruas, demonstrando que a ação climática precisa ser inclusiva e participativa. As manifestações, marchas e a pressão da sociedade civil organizada são a força vital da ação climática e da defesa dos direitos. Elas trazem à tona as realidades vividas nas periferias, nas florestas, nas águas e nas comunidades, garantindo que as discussões oficiais não se limitem a gabinetes e acordos diplomáticos.
A participação ativa de organizações não governamentais nas negociações busca incidir e fortalecer o protagonismo da sociedade civil no processo. A polarização política e a crise climática não podem silenciar essas vozes; ao contrário, devem amplificar a urgência de um diálogo transparente e de ações concretas que abordem a raiz dos problemas.
O mundo está na mesma tempestade climática, mas não no mesmo barco, e são os defensores ambientais que estão tentando evitar que o barco afunde, muitas vezes arriscando suas próprias vidas. Garantir a segurança desses indivíduos e legitimar suas manifestações é, em última análise, garantir a viabilidade de um futuro sustentável e justo para todos. O governo brasileiro tem a obrigação e a oportunidade de demonstrar, com ações concretas e não apenas discursos, que a proteção à vida e ao meio ambiente são prioridades inquestionáveis.
Suzany Brasil, coordenadora do Programa Amazônia da Terra de Direitos
Alane Luzia da Silva, assessora jurídica popular da Terra de Direitos.
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