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“Se vocês tivessem me encontrado há 16 anos, não dariam nada pela minha vida. Hoje eu estou na ONU"


Em Genebra, Coordenadora do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, Maria Lucia Pereira da Silva avaliou nesta sexta-feira (4) relatório temática da relatora especial de moradia adequada do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Maria Lúcia Pereira da Silva, coordenadora do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, ao lado da relatora especial da ONU, Leilani Fahra.

A neve que caiu nesta sexta-feira (4) não surpreendeu os moradores de Genebra, na Suíça. Mas, para Maria Lucia Pereira da Silva, o fenômeno meteorológico não é tão comum. Acostumada ao calor de Salvador, na Bahia, a coordenadora do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) sabe bem que as duas condições climáticas – frio e calor – interferem na vida das pessoas que dormem ao relento.

Para falar de algumas das dificuldades de quem vive nas ruas das cidades, Maria Lucia participou, nesta sexta-feira (4), de um evento paralelo  durante a reunião do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, em Genebra. A liderança do MNPR avaliou o documento produzido pela Relatora Especial de Moradia Adequada, que trouxe, nessa edição, a discussão relacionada ao homelessness (termo inglês que equivale ao que compreendemos por ‘população em situação de rua’).

A coordenadora levou a fala de quem sabe o que é dormir nas calçadas da cidade. E surpreendeu quem esteve presente. Rostos curiosos e semblantes atentos revelaram o interesse de quem ouvia. “Se vocês tivessem encontrado comigo há 16 anos, não dariam nada pela minha vida. Hoje eu estou aqui, na ONU, para falar sobre os direitos das pessoas em situação de rua”, falou para os participantes – entre eles, Diplomatas brasileiros. E a mulher não se intimidou. Em sua fala, foi incisiva ao falar dos avanços e dos desafios do país na garantia dos direitos de quem está em situações precárias.

Dos seus 48 anos, 16 foram vividos nas ruas da capital baiana. Maria Lucia sabe bem como a falta de políticas públicas – incluindo a de moradia – impacta na vida dessa população fragilizada. Sentiu na pele aquilo que o relatório traz apontado.

Para Maria Lucia, a participação no evento foi muito importante, e deve render bons resultados. “Acho que os frutos vão vir depois”, avalia. Entre os encaminhamentos, está a possibilidade de incluir a temática da população em situação de rua na Habitat III, a 3 Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável. O evento global, realizado a cada 20 anos, deve criar uma Nova Agenda Urbana para o século XXI, abordando a pobreza e identificando novos desafios. A Habitat III será realizada em outubro deste ano, em Quito, Equador.

A liderança do MNPR fez sua fala logo após a exibição da relatora Leilani Farha, responsável pelo relatório sobre moradia adequada como um componente do direito a um padrão de vida adequado, e sobre o direito descriminalização neste contexto.

Maria Lucia compôs o quadro de painelistas ao lado do membro do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Direitos e ex-relator especial sobre o direito à alimentação, Olivier de Schutter, e do diretor de Federação Europeia de Organizações Nacionais que trabalha com a população em situação de rua (FEANTSA), Frederik Spinnewijn.

Os homeless e a questão da moradia adequada

O relatório produzido pela relatora especial Leilani Farha analisa como a falta de moradia adequada se configura como uma violação de direitos humanos. O material foi construído a partir de consultas internacionais, sendo uma delas realizada em Buenos Aires, em 2015. A Terra de Direitos contribui para a construção desse debate.

Segundo Maria Lucia, o relatório foi bem aceito pelos participantes do evento, e deve ter poucas alterações.O relatório aponta que o aumento da população em situação de rua – constatado no mundo todo – está diretamente relacionado com a crise global de direitos humanos e com o aumento da desigualdade na riqueza e propriedade. O documento perpassa questões de gênero, etnia, saúde mental e relata diversas violações as quais essa população está submetida.

Entre as recomendações do documento, está a de que medidas de superação da desigualdade devem ser tomadas pelos governos para que a população em situação de rua não exista mais até 2030, mas na perspectiva dos direitos humanos. Antes preocupada que esse ponto pudesse estimular uma lógica higienista – semelhante às manifestações de comerciantes em Curitiba e às remoções forçadas no Rio de Janeiro – Maria Lucia se diz mais tranquila. A relatora Fahra esclareceu que tal recomendação está relacionada ao desenvolvimento de políticas públicas para essa população, ao não-uso da violência, e ao respeito ao tempo e às decisões de cada pessoa.

Além da evidente situação de violência e insalubridade, a população em situação de rua não acessa diversos outros direitos básicos e essenciais à vida digna devido à falta de moradia adequada. Segundo o relatório de Farha, mesmo nos Estados em que existem recursos adequados para solucionar a situação dos homeless, o problema é raramente tratado como uma violação dos direitos humanos que exige medidas positivas para eliminá-lo e para prevenir a sua recorrência.

>> Acesse o relatório

Filha da Rua

A história da mulher que aos 5 anos vai para as ruas de Salvador é trazida no web documentário Filha da Rua. Orgulhosa de sua trajetória e de sua luta, Maria Lucia destaca no filme o potencial de superação do ser humano. “Existem dores na rua, mas também existem luzes. Tem muita gente boa ali, e a única coisa que falta é uma porta aberta”.

>> Assista o documentário:

 



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Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos