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Lideranças indígenas manifestam repúdio à decisão de reintegração de posse em favor da Itaipu


A área onde residem 20 famílias é reconhecidamente território indígena e aguarda regularização fundiária. Povos foram expulsos em 1982 para construção do lago.

 

Foto: Julio Carignano

Lideranças indígenas articulados em redes de defesa dos povos da floresta manifestaram, em carta, nesta quinta-feira (23) repúdio à decisão liminar do Juiz Federal Sergio Luis Ruivo Marques, da 1ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, que acatou pedido de reintegração de posse da Itaipu Binacional no dia 13 de agosto.

A área onde 20 famílias residem está localizada no município de Santa Helena (PR) e é reconhecidamente indígena. Com outras demais áreas guaranis, aguarda a regularização fundiária conforme decisão judicial de novembro de 2017 em ação civil pública nº 5006284-37.2017.4.04.7002, proferida pelo Juiz Rony Ferreira, da 2ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, de acordo com levantamento da Terra Sem Males.

Os povos vinham em processo de retomada de território. Expulsos em 1982 da área para a construção do lado de Itaipu, os indígenas desempenham papel essencial na preservação da floresta e manutenção da cultura e existência do povo guarani.  O laudo pericial-antropológico e elaborado por Maria Lucia Brant de Carvalho e apresentado pela Comissão Estadual da Verdade do Paraná revela que que a inundação provocada pelos reservatórios da Itaipu provocou o desaparecimento de 32 aldeias Guarani entre os anos 1940 e 1980 na região Oeste do Paraná.

“Ficamos tristes ao lembrar dos nossos antigos e das mais de 30 aldeias inundadas pelo alagamento provocado pela Itaipu. Relembramos isso cada vez que assistimos a cobiça sem limites de empresas que precisam violar direitos humanos para alcançar seus lucros”, aponta um trecho da nota.

Em denúncias recentes os indígenas relatam incidências de casas indígenas provocados por funcionários da Itaipu e tentativas de cooptação de lideranças. “Ao mesmo tempo em que Itaipu segue nos expulsando de nossas terras, a empresa tem tentado cooptar nossos parentes, separando nossas lideranças e prometendo benefícios a quem negociar com ela. Não podemos aceitar isso”.

Na ação de reintegração de posse nº 5003291-84.2018.4.04.7002/PR, o juiz estabeleceu prazo de 30 dias para manifestação da União e da Funai.

 

Leia a carta completa.

CARTA DE APOIO AOS AVÁ GUARANI DO OESTE DO PARANÁ

Nós Lideranças Indígenas dos Povos Guarani, Kaingang, Xetá e Xokleng, articulados na Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ARPINSUL) e na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), vimos por meio desta manifestar o nosso repúdio à decisão judicial de Reintegração de Posse da Tekoha Pyahu (Santa Helena-PR) que favorece os interesses da Itaipu e determina o despejo de mais de 20 famílias Avá-Guarani que se encontram no meio do processo de retomada de seu território tradicional.

Ficamos tristes ao lembrar dos nossos antigos e das mais de 30 aldeias inundadas pelo alagamento provocado pela Itaipu. Relembramos isso cada vez que assistimos a cobiça sem limites de empresas que precisam violar direitos humanos para alcançar seus lucros. Lembramos disso ao olhar para Belo Monte, ao olhar para o crime cometido pela Samarco em Mariana, ao olhar para o lugar onde se situavam as Sete Quedas.

O solo onde está a Itaipu, onde estão os municípios de Santa Helena, Itaipulândia, São Miguel do Iguaçu, Guaíra e Terra Roxa é sagrado. É terra guarani e não sairemos de lá.

Não estamos reivindicando toda a terra desse continente pela qual circulávamos livremente antes da invasão dos europeus. Pedimos apenas aqueles pequenos pedaços de terra onde ainda encontramos o pouco que sobrou das nossas matas sagradas, aqueles locais onde ainda podemos plantar nossas sementes e onde nossos filhos podem viver de acordo com o nosso nhandereko, o nosso modo de ser. Pedimos apenas que os jurua kuery, os não indígenas, respeitem a própria lei deles que nos dá o direito de viver em nossas terras tradicionais. Esse direito foi conquistado com a luta, a reza e o sangue dos nossos antigos e não podemos permitir que ele seja apagado.

Ficamos muito tristes ao ver que o jurua insiste em não cumprir com suas próprias leis. Como podem os brancos criar a Funai para defender o direito dos povos indígenas e depois colocar em sua chefia pessoas indicadas pelos grandes ruralistas que matam nossos parentes para que possam plantar soja em nossas terras? Como pode a Justiça Federal determinar em novembro 2017 a criação do Grupo Técnico para realizar os estudos de demarcação de nossas terras, e outro juiz agora vir e determinar o nosso despejo?

Recentemente a Comissão da Verdade, reconheceu e conseguiu levantar provas daquilo que nossos nhaneramoi, os nossos mais velhos, já denunciavam há muitos anos. Reconheceu que Itaipu alagou o nosso território tradicional, acabou com nossas matas e usou da violência para expulsar nossos parentes de suas aldeias. Agressões físicas foram cometidas, casas foram queimadas, fomos colocados em caminhões e transportados para outros lugares!

Ao mesmo tempo em que Itaipu segue nos expulsando de nossas terras, a empresa tem tentado cooptar nossos parentes, separando nossas lideranças e prometendo benefícios a quem negociar com ela. Não podemos aceitar isso.

Somos e seremos intransigentes enquanto Itaipu não aceitar conversar em condição de igualdade: conversar com o coletivo, sem chamar uma liderança aqui e outra ali prometendo mundos e fundos. Seremos intransigentes enquanto os jurua kuery não reconhecerem que essa terra é nossa.

Pela suspensão IMEDIATA da ordem de Reintegração de Posse!
Aguyjevete para quem luta!
23 de agosto de 2018.

 

Foto: Julio Carignano.



Ações: Empresas e Violações dos Direitos Humanos

Eixos: Terra, território e justiça espacial