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Em Barcarena, quilombolas entram com ação para condenar prefeitura por não reconhecer existência de quilombo


Prefeitura desconsidera existência do Quilombo Sítio Conceição ao permitir que parte do território entre em programa de regularização fundiária municipal e se apropria de 80% do território para criação de Parque Natural.

Muro cortou território quilombola para criação do Parque Natural da cidade (fotos: Roberto Chipp)

Os ataques da Prefeitura Municipal de Barcarena (PA) ao território do Quilombo Sítio Conceição, na zona urbana da cidade, levaram à associação quilombola a ingressar com uma Ação Civil Pública nesta quinta-feira (6). Os quilombolas reivindicam que seja suspenso o decreto que abre brecha para titulação individual de áreas do quilombo e pedem que a Justiça Federal determine a destruição de um muro construído pela prefeitura – que impede acesso das famílias a partes do território tradicional.

O caso está relacionado ao Decreto Municipal nº 62, de 2018, que estabeleceu o Programa de Regularização Fundiária Urbana (Reurb), e também à instalação do Parque Natural da cidade, que se apropriou de 80% do território quilombola de 40 hectares, onde vivem 200 famílias.

Ao incluir o território do Quilombo Sítio Conceição dentro da política de regularização fundiária urbana, a prefeitura de Barcarena abre possibilidade para regularizar terrenos de dentro do quilombo para pessoas não quilombolas. Mesmo a regularização individual de terrenos de famílias quilombolas seria prejudicial ao quilombo – além de inconstitucional. “O quilombo é um território coletivo, com modo de vida que compreende toda a coletividade. Títulos individuais desconfiguram totalmente o que a gente entende por comunidade quilombola”, aponta Gabriele Gonçalves, advogada popular da Terra de Direitos, organização que presta assessoria jurídica na ação.  “Nesse caso, fica claro o processo de invisibilização pela prefeitura que a comunidade está inserida”, avalia a advogada.

A Associação denuncia que a prefeitura avançou nessas propostas mesmo sabendo que a área se trata de um território quilombola, que deve ser titulado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Apesar de ainda não ser titulado, o Quilombo Sítio Conceição está em processo de titulação desde 2016, quando foi certificado como comunidade quilombola pela Fundação Cultural Palmares. O próprio Incra informou a prefeitura sobre o processo de titulação em andamento, através de ofício enviado em dezembro de 2019.

Gabriele destaca que as medidas tomadas pela prefeitura, sem qualquer diálogo ou consulta ao quilombo, violam o direito à consulta prévia, livre e informada, prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Esse tratado internacional, ratificado pelo Brasil em 2004, determina que quilombolas, indígenas ou comunidades tradicionais sejam previamente consultadas no caso de projetos ou medidas administrativas que possam impactar o modo de vida e o território desses povos.

A advogada também lembra que as ações da prefeitura, tanto de instalação do muro quanto o Programa de Regularização Fundiária Urbana (Reurb), violam o direito à terra quilombola, prevista na Constituição Federal. O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias reconhece o dever do Estado em titular as terras das comunidades quilombolas.

Parque Municipal se apropria do território

Para a criação de uma área verde preservada em zona urbana, no início de 2020 a prefeitura deu início a construção de um muro dentro do quilombo, impedindo as famílias de acessarem as áreas de floresta e de chegarem ao Rio Murucupi. As obras continuaram mesmo em meio à pandemia de Covid-19.

Os limites do Parque, no entanto, não apenas cercaram a área de floresta preservada dentro do quilombo como também avançaram sobre os quintais das casas. Em alguns casos, o muro impediu o acesso das famílias às suas plantações. 

Agora, se os quilombolas quiserem chegar ao rio, à floresta ou às suas plantações, terão que pular o muro. A obra não só afetou o acesso ao território, como também trouxe impactos à segurança alimentar das famílias, como conta o presidente da Associação, Roberto Chipp.  “Nessa outra parte ainda tem árvores frutíferas, o acesso ao rio ficou limitado...Para nós quilombolas, essas práticas tradicionais de roça, pesca, caça e colheita de frutas são alternativas de base alimentar, ainda mais nesse tempo de pandemia”, aponta.

O caso foi denunciado aos Ministérios Públicos Federal (MPF) e estadual (MP-PA) pela Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará (Malungu) e pela Terra de Direitos, no ano passado. A situação também foi levada ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), em julho, em razão da continuidade das obras mesmo após as denúncias.

“Já se passou mais de um ano desde a invasão da Prefeitura de Barcarena em nosso quilombo, e nada se fez de concreto no âmbito jurídico, que possa garantir nosso direito ao território”, lamenta Roberto.

 



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Ações: Quilombolas, Conflitos Fundiários

Eixos: Terra, território e justiça espacial