O direito de velar os ancestrais


O Dia de Finados, de origem católica, carrega consigo memórias e sentimentos de um processo humano e doloroso chamado de luto. Para os modos de vida dos povos e comunidades tradicionais não é diferente. No entanto, a data emblemática para relembrarmos os entes que já partiram traz consigo também o peso simbólico da manutenção da memória coletiva e individual, da história de luta, de resistência e ancestralidade desses povos no Brasil.  

Já parou para pensar o impacto de uma pessoa não ter acesso ao túmulo de sua família? Na vida de povos e comunidades tradicionais esse fato é também uma violação ao direito de memória e preservação da cultura desses povos, previsto na Constituição Federal.  

Pela legislação brasileira um cemitério compreende patrimônio histórico, artístico e cultural de uma sociedade, conforme prevê o Artigo 216. Isso porque os cemitérios, muito além de agir como espaços de preservação de áreas verdes, carregam consigo um valor artístico da arquitetura tumular e, principalmente, um valor histórico como espaço de memória onde repousam as pessoas que integraram e contribuíram com aquele território. 

Como memória material e imaterial, é de reponsabilidade do poder público - com a colaboração dos povos e comunidades - a preservação do patrimônio cultural que compreende, dentre eles o direito à memória, incluindo conjuntos urbanos/obras de valor histórico e destinado a manifestação artístico cultural, como neste caso, os cemitérios. 

Todos esses direitos pela garantia da memória e preservação da cultura e ancestralidade desses povos se chocam com a realidade brasileira de violação aos territórios tradicionais.  

No especial "O direito de velar os ancestrais: cemitérios e comunidades tradicionais", desenvolvido pela Terra de Direitos, apontamos como a preservação da memória e ancestralidade é uma luta constante para povos e comunidades tradicionais. 

No material você conhecerá a realidade das comunidades quilombolas do Vale do Acará, no nordeste do Pará, onde o território tradicional foi tomado por uma empresa de dendê e as famílias precisam, além de uma longa caminhada, de autorização para acessar seu cemitério. Em seguida te levamos para o Cerrado, mais precisamente na Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, onde conversamos com a comunidade quilombola apanhadora de flores de Mata dos Crioulos, que teve seu território sobreposto a criação de um parque de conservação ambiental gerido pelo governo estadual e que impossibilita o acesso ao cemitério. E por fim, te apresentamos a realidade da comunidade de nativos da Ilha do Mel, no litoral do Paraná, onde o cemitério está sendo engolido pelas ondas do mar e a comunidade reivindica um novo espaço ao Poder Público.  

O que sabemos ao certo é que o marcador comum desses três povos tradicionais é o enfrentamento e a resistência à violação do direito territorial e de memória pelo estado e empresas.