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MPF abre inquérito para apurar ausência de diagnóstico climático do porto da Cargill em Santarém (PA)


Ação foi resultado da denúncia feita por organizações e movimentos sociais do Tapajós em 2022 e vai investigar Cargill e SEMAS 

Porto da Cargill no Rio Tapajós, em Santarém (Foto: M'Boia)

 

Às vésperas da Cúpula dos Presidentes da Amazônia, agenda estratégica sobre o clima, as organizações e movimentos da região do Tapajós (PA) comemoram um passo importante na luta por direitos frente a empresa multinacional do agronegócio, a Cargill. O Ministério Público Federal (MPF) acatou, em fevereiro, a denúncia realizada pelas entidades e irá investigar a ausência de um diagnóstico de impactos climáticos do Porto da Cargill em Santarém. O inquérito civil foi aberto pelo MPF cerca de dez meses após solicitar informações à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do município e Cargill, feito em novembro de 2022, e não obter respostas concretas sobre as irregularidades acerca da renovação da Licença de Operação. A licença de operação foi emitida pelo órgão público em maio de 2022. As organizações apontam que a Secretaria não tem cumprido protocolos/regras para concessão da Licença à multinacional.  

A representação de denúncia foi feita por Terra de Direitos, Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Santarém (AMTR), Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Município de Belterra (Amabela), Tapajós de Fato, Tapajoara, Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Sindicato de Agricultores e Agricultoras familiares e Trabalhadores Rurais (STTR-Santarém), Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (Cita), Conselho Pastoral de Pescadores (CPP), Movimento Tapajós Vivo (MTV), Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e Grupo Consciência Indígena (GCI). Os denunciantes apontam na ação que o empreendimento portuário da Cargill, presente na região há quase 20 anos, tem negligenciado a mensuração dos impactos climáticos das atividades para o meio ambiente, principalmente os relacionados aos processos que compõem a cadeia produtiva de grãos escoados pelo Porto no Rio Tapajós.  

Para a assessoria jurídica da Terra de Direitos, que acompanha os movimentos e organizações sociais de Santarém, o diagnóstico climático é um critério essencial, que deve ser cobrado com rigor para as empresas. “O diagnóstico climático é uma inovação de legislação estadual para contemplar de maneira sistematizada a análise de como um empreendimento contribui para o aumento de emissões de gases do efeito estufa, para além dos dados já previstos nos termos de referência dos estudos de impacto ambiental. Como a Cargill renovou sua licença de operação após o ano de 2020, quando foi instituído o diagnóstico climático, ela não pode estar isenta da obrigação de produzi-lo e apresentá-lo publicamente. No atual contexto de emergência climática toda empresa deve prestar suas contas climáticas”, declara.  

Agora com a abertura inquérito civil pelo MPF a expectativa das organizações e movimentos sociais é que haja prosseguimento das investigações com a garantia da realização do diagnóstico climático com participação popular.  

Diagnóstico Climático 

Na denúncia apresentada ao MPF, as entidades sociais e populares argumentam que a necessidade de estudos sobre os impactos que a atuação da Cargill traz para o clima do planeta está de acordo não apenas com as mudanças climáticas que já vem sendo sentidas no cotidiano por povos indígenas, quilombolas, pescadores, extrativistas e demais comunidades tradicionais, mas também está instituída pela Lei nº 9.048/2020, que estabelece a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas do Pará (PEMC/PA) e incorpora a “finalidade climática” como parte do licenciamento ambiental de empreendimentos.  

Ao não exigir da Cargill a complementação dos impactos climáticos promovidos pelas atividades da empresa, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade descumpre a Lei e concede uma licença irregular à Cargill.  

Para as entidades do Tapajós, a ausência de um diagnóstico climático, como o instituído pela lei estadual, agrava ainda mais a situação de atuação da empresa no Tapajós. “Um empreendimento portuário que teve seus impactos ambientais insatisfatoriamente previstos e reportados, permitindo a omissão da empresa responsável e do Estado na competência de licenciador, também torna-se um problema climático. [..] Todo empreendimento que provoque impactos na natureza é potencialmente um colaborador das mudanças climáticas”, destaca o documento.   

Histórico de irregularidades e impactos socioambientais  

O processo de instalação da Cargill no oeste do Pará foi permeado por uma série de irregularidades. Contando com a conivência de órgãos públicos, como a Justiça Federal e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (que a época de instalação da empresa, em 2003, chamava-se Sectam), a Cargill iniciou a operação do porto localizado na orla do município de Santarém sem apresentar o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental, que só foram realizados dois anos depois.  

Além das irregularidades na instalação e na realização dos Estudos de Impacto Ambiental, a Cargill violou o direito à consulta prévia de povos e comunidades tradicionais afetados pelas atividades da empresa. O direito à consulta é assegurado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. A Convenção estabelece que povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais devem ser consultados sobre qualquer medida ou projeto que impactem seus modos de vida. 

Para os povos e comunidades tradicionais do Tapajós a presença da Cargill na região representa a convivência com a violação de direitos humanos e com a degradação ambiental. “A Cargill, para nós, significa a matança dos nossos povos, significa sangue, o sangue da nossa ancestralidade, porque quando ela se implanta aqui, no porto de Santarém, abre espaço para o agronegócio entrar aqui com muita força, né? Então o significado dela para nós é morte: morte do rio, morte de animais, de culturas!” pontua o Conselho Indígena Tapajós Arapiuns.. 

“O inquérito civil permite uma apuração robusta de violações de direitos humanos cometidos por empresas. Caso a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade continue negligente quanto as obrigações legais do licenciamento ambiental indicadas no inquérito, ela pode ser cobrada judicialmente, ou seja, o MPF pode ingressar com ação adequada para exigir o diagnóstico climático”, finaliza a assessoria jurídica de Terra de Direitos.

 

Falta de consulta prévia, licenciamento irregular, estudo de impacto ambiental incompleto. Essas são algumas das irregularidades e violações de direitos humanos da Cargill em Santarém e Itaituba. Entenda mais no site: https://semlicencaparacargill.org.br/ 



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Ações: Empresas e Violações dos Direitos Humanos

Eixos: Terra, território e justiça espacial