Acervo / Artigos



Protocolos de consulta prévia e mobilizações em defesa dos territórios quilombolas


Nos documentos as comunidades afirmam o dever, por parte do Estado, de consultá-las ante qualquer medida administrativa ou legislativa que lhes impacte diretamente. 

 

Foto: Bob Barbosa

“No tempo em que o negro chegava fechado em gaiola, nasceu no Brasil quilombo e quilombola.” Remetendo-se ao passado colonial em que se insurgiram as primeiras comunidades negras rurais, a cantora Clara Nunes, no trecho da canção “Jogo de Angola”, aponta um país marcado pela escravidão, que deu origem a agrupamentos negros marginalizados que foram se territorializando pelo interior: os quilombos.

Com modos de viver, criar e fazer próprios, que se distinguem de modos de desenvolvimento neoextrativistas típicos do atual sistema capitalista, as comunidades quilombolas são responsáveis por manter boa parte da natureza e sua biodiversidade saudáveis, especialmente na Amazônia, região de expansão da fronteira agrícola e de previsão de instalação de grandes empreendimentos portuários, minerários e energéticos. Esse movimento gera grande pressão sobre essas comunidades, que, mesmo tendo direitos garantidos em relação às suas terras, se veem cada vez mais espremidas ou sob perigo de expulsão de seus territórios.

Logo, recalculam estratégias de permanência e experimentam variadas formas de resistência. Invocando o direito à consulta prévia, livre e informada, elencado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e assegurado no Brasil por meio do Decreto 5.051/2004, têm elaborado os chamados Protocolos de Consulta Prévia, considerados importantes ferramentas de permanência das comunidades no território e de autoafirmação enquanto sujeitos de direitos coletivos.

No Tapajós, as doze comunidades quilombolas de Santarém foram pioneiras em elaborar o Protocolo de Consulta Quilombola, como parte do enfrentamento à construção do porto da Embraps. Nele, afirmam o dever, por parte do Estado, de consultá-las ante qualquer medida administrativa ou legislativa que lhes impacte diretamente. Como destacou o presidente da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS), Dileudo Guimarães, em entrevista à revista Radis, o protocolo visa “mostrar que nós existimos e que não aceitamos qualquer empreendimento sem que sejamos previamente consultados”.

A Malungu – Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará também compartilha da visão de que os protocolos são relevantes instrumentos de defesa dos territórios. Por isso, no oeste do Pará, tem investido no apoio à elaboração de protocolos de consulta em municípios como Monte Alegre e Óbidos, em parceria com a Terra de Direitos. Coordenador da Malungu, Aurelio Borges destaca que já é possível observar um conjunto de violações de direitos das comunidades do oeste do Pará. “É uma das regiões que mais sofre impacto das grandes obras e está na mira do tal plano de desenvolvimento econômico do capital, por isso a necessidade de se construir instrumentos de defesa e proteção dos territórios quilombolas (Protocolos de Consulta)”, fala.

O que se tem visto é motivador. Apesar do desmantelamento do Estado democrático de direito, desde 2016, agravado no último ano em relação às políticas quilombolas, os quilombos da Amazônia continuam se insurgindo nas estratégias de vida. Insistem nas formas tradicionais de ocupação, permanecem resistindo nos territórios, seguem firmes na reivindicação pelas titulações e ainda inovam em práticas jurídicas localizadas de (re)criação de direitos. A Amazônia, de resistência cabana, segue exemplo para o Brasil!

* Ciro é advogado popular da Terra de Direitos.

:: Este artigo integra a publicação Tapajós: informes de uma terra em resistência - 2ª edição. Acesse aqui a publicação.



Ações: Quilombolas
Eixos: Terra, território e justiça espacial
Tags: consulta prévia,quilombola,amazônia