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Urgente: CNMP retoma julgamento e pode deixar impune procurador racista do Pará


Conselheiros Marcelo Weitzel, Rinaldo Reis e Luciano Nunes defendem liberdade de cátedra para isentar Ricardo Albuquerque do crime de racismo. Julgamento está suspenso com 1 voto a favor e 3 contrários à abertura do procedimento disciplinar. A votação deve ser retomada ainda hoje. 

Acompanhe, denuncie! Não permita que o sistema de justiça deixe impune seus membros racistas 

Relator do caso, Rinaldo Reis alterou o voto para dar fim ao processo contra o procurador Ricardo Albuquerque

A Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará (Malungu), a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), o Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA) e Terra de Direitos repudiam e manifestam intensa preocupação com os posicionamentos de membros do CNMP.

Após adiar oito vezes, o Conselho Nacional do Ministério Público retomou nesta terça-feira (27) o julgamento da reclamação disciplinar contra o procurador Ricardo Albuquerque. O caso começou a ser julgado no dia 10 de março. Com 1 voto favorável a instalação de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e 3 votos contrários, a conselheira Sandra Krieger Gonçalves do CNPM pediu vista em mesa e o julgamento deve ser retomado ainda nesta terça-feira. 

Procurador do Ministério Público do Pará, Albuquerque é acusado pelo crime de racismo. Em novembro do ano passado, durante uma atividade com estudantes no Ministério Público, o procurador fez declarações racistas contra indígenas e quilombolas ao afirmar que não teria “dívida nenhuma com quilombolas” por que não ele não tinha um navio negreiro e que “problema da escravidão aqui no Brasil foi porque o índio não gosta de trabalhar”. Após a repercussão dos fatos, o Procurador se justificou e argumentou que se tratava apenas de um debate acadêmico e que por sua índole profissional não deveria ser punido.

O caso foi objeto de reclamações disciplinares apresentadas no início de dezembro de 2019 por movimentos e organizações populares -  Conaq, Malungu, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA), Terra de Direitos e outras - e pela Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Pará. As entidades exigiram procedimento administrativo para apurar as faltas disciplinares cometidas pelo Procurador, além da sua responsabilização criminal.

Marcelo Weitzel votou pela não instalação do PAD, alegando que a abertura de um processo seria "censura acadêmica"

Os votos para a não instalação de um Processo Administrativo Disciplinar contra o procurador Ricardo Albuquerque reforçam como o racismo estrutural da sociedade brasileira se reflete também no Poder Judiciário. Na defesa do encerramento do processo, o conselheiro Rabello de Souza afirmou que “a manifestação não foi proferida na imprensa e redes sociais, mas em palestra proferida à um pequeno grupo de graduandos, ou seja, no exercício da cátedra”. As organizações contestam o uso do argumento de direito de cátedra para legitimar a manifestação racista e repudiam o argumento de que a instauração de um processo contra o procurador se configura como “censura acadêmica”. A liberdade de expressão e o direito de cátedra não podem ser o esteio para manifestações racistas e de discriminação de determinados grupos sociais, neste caso indígenas e quilombolas. Deste modo o conselheiro reafirma, ao final da manifestação do seu voto, que não houve dolo, ou seja, que o procurador não cometeu crime de racismo. O voto foi acompanhado pelo conselheiro Luciano Nunes Maia. 

No início do julgamento, em março, o relator do caso, Rinaldo Reis, havia votado pela instauração do PAD. Na retomada da votação, nesta terça-feira, mudou seu voto. 

Favorável ao processo administrativo contra o procurador Ricardo Albuquerque, o conselheiro Sebastião Caixeta contestou: “Reiteramos que a liberdade de cátedra não autoriza a manifestação preconceituosa do Ministério Público”. 

As organizações que subscrevem esta nota destacam que uma das principais consequências do discurso racista da autoridade pública é desonerar o Estado da obrigação de implementar direitos fundamentais da população negra, legitimando a falta de compromisso do Estado através de discursos que negam o racismo e culpabilizam a população negra pelos resultados de um sistema de desigualdade racial. O discurso racista também tem por objetivo negar a diferença de populações negras e indígenas, negando-lhes direitos através de uma defesa da sua integração à sociedade nacional. 

Luciano Neves acompanhou o voto para não instalação de processo contra procurador que fez falas racistas durante atividade dentro do Ministério Público do Pará

No Brasil, este discurso tem servido ao propósito de legitimar a negação de direitos territoriais e autodeterminação a populações indígenas e quilombolas. Nesse caso concreto ainda é preciso destacar a gravidade do discurso ter sido feito em uma sala de aula, em um momento de formação de futuros advogados, juízes, promotores de justiça...

Importante destacar que esse tipo de discurso não é isolado e reflete a própria estrutura branca, racista  e patriarcal do Sistema de Justiça Brasileiro. No Censo da Magistratura Brasileira de 2018, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça, mais de 80% dos entrevistados se declararam brancas, e apenas 18% negras. Isso reflete que 4/5 de juízes e procuradores são brancos, apesar de mais da metade da população brasileira ser negra. Já o CNMP, composto por 11 Conselheiros, só possui duas mulheres e nenhuma pessoa negra.

É importante lembrar também que apesar de a lei que estabeleceu a implementação de cotas raciais nas esferas do Poder Público ter sido promulgada em 2014, apenas três anos depois, em 2017, o Ministério Público regulamentou a reserva de vagas para pessoas negras. 

Por fim, frisamos que o sistema de justiça brasileiro tem muita dificuldade em nomear e reconhecer casos de racismo como tais. Geralmente esses casos, quando apurados e processados, tramitam como injúria racial ou tipos penais mais brandos. 

A Impunidade e falta de uma resposta institucional adequada são formas de promoção e justificação do racismo.

Repudiamos os votos dos conselheiros Luciano Nunes Maia e Marcelo Weitzel Rabello de Souza  e exigimos que o CNMP proceda a abertura do procedimento disciplinar, julgue e responsabilize o Procurador Ricardo Albuquerque por seu pronunciamento racista!



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Ações: Democratização da Justiça, Quilombolas

Eixos: Democratização da justica e garantia dos direitos humanos