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STF admite Terra de Direitos em ação que questiona constitucionalidade do Conselho da Amazônia


Organização participará da ação na condição de amicus curiae. Entidades alertam que Conselho da Amazônia representa a militarização da política ambiental brasileira.

Registro das queimadas da Amazônia em agosto de 2020. / Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real

O Supremo Tribunal Federal acolheu nesta quinta-feira (17) o pedido da Terra de Direitos para ingressar como amicus curiae na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 744, que questiona o decreto presidencial que estabeleceu o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL). Agora, a organização de direitos humano passa a atuar como “amiga da corte”, uma forma de participação que permite que organizações contribuam com mais elementos para que o STF possa avaliar o caso.

Protocolada no dia 18 de setembro e sob relatoria do ministro Dias Toffoli, a ADPF 744 pede que o decreto presidencial nº 10.239/2020 de fevereiro de 2020 seja declarado inconstitucional. Articulada pelo Levante Popular da Amazônia – uma mobilização de mais de 30 organizações e movimentos -  e assinada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido Socialista Brasileiro (PSB), a ação aponta que as mudanças no Conselho da Amazônia ferem uma série de preceitos fundamentais, como a proibição do retrocesso institucional, a participação popular, o direito à igualdade e o direito à proteção do meio ambiente.

Advogada popular da Terra de Direitos, Luisa Câmara avalia o acolhimento do pedido como um reconhecimento da Terra de Direitos enquanto organização de direitos humanos que pode contribuir no debate - de maneira ainda mais crítica por atua a partir da Amazônia. "Toda fala e escrita dentro de um processo é socialmente situada. Uma situação é estar falando em um contexto da militarização da Amazônia o processo de enfraquecimento dos processos de deliberação coletiva e participação da sociedade civil estando em outra região do país; outra coisa é trazer essa contribuição pro debate no STF estando inserida no território, conseguindo perceber e mensurar as dificuldades que um conselho nos modos que está proposto pelo [Hamilton] Mourão traz para população, para as comunidades ribeirinhas, tradicionais, quilombolas indígenas que estão lá. É uma contribuição que parte, é pensada e elaborada a partir do território e do diálogo com os sujeitos que estão nesse território", destaca.

Ao pedir para ingressar na ADPF, a Terra de Direitos também reforçou que o CNAL fere princípios democráticos. Através do decreto presidencial, o novo Conselho da Amazônia passou a ser formado sem a previsão de qualquer tipo de participação popular e sem a participação dos governadores dos 9 estados da Amazônia Legal. Ao mesmo tempo em que esvaziou espaços de participação popular, a nova composição do Conselho tem grande concentração de militares. Além de ser presidido pelo vice-presidente General Hamilton Mourão, ao menos 19 militares e 4 delegados da Polícia Federal integram a nova composição do conselho.

No pedido de amicus, a Terra de Direitos apontou que mudanças representam a militarização da política ambiental no Brasil. Um grande exemplo disso se dá na Operação Verde Brasil 2, autorizada em maio deste ano após publicação do decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que autorizou o envio de tropas armadas no combate às queimadas e desmatamento na Amazônia. Com isso, as forças armadas passaram a comandar – e não apenas contribuir – com órgãos de fiscalização especializados, como o Ibama. Um dos grandes questionamentos em relação a essa operação também está na proporção de gastos e resultados apresentados. Segundo matéria do portal The Intercept, as forças armadas têm destinado para a fiscalização um orçamento 10 vezes maior do que o Ibama: os militares receberam R$ 520 milhões apenas do Fundo da Lava Jato, enquanto o Ibama tem previsto apenas R$ 50 milhões.

Apesar do alto valor disponível, o desmatamento na Amazônia cresceu 34% entre agosto de 2019 a julho de 2020, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em agosto deste ano, a região também registrou o pior índice de desmatamento dos últimos dez anos, segundo o Imazon.

CNAL e Clima

Ao pedir para ingressar na ADPF 744, a Terra de Direitos também aponta que o Conselho da Amazônia cria uma nova competência na política de governança climática do Brasil. No decreto presidencial que estabeleceu o CNAL, uma das competências atribuídas ao conselho é de “acompanhar as ações de desenvolvimento sustentável e o cumprimento das metas globais em matérias de adaptação e mitigação das mudanças climáticas”.

Essa atribuição extrapola políticas já instituídas pelo Ministério do Meio Ambiente, como a Política Nacional sobre Mudança do Clima e o Plano Nacional sobre Mudança do Clima que, inclusive, preveem a participação cidadã, diferente do CNAL. “O Ministério do Meio Ambiente e o Conselho Nacional da Amazônia Legal possuem competência comum e concorrente sobre ações para alcance de metas climáticas globais, porém, se trata de uma governança climática excludente e centralizadora”, destacou a Terra de Direitos no pedido. "O que vem ocorrendo, desse modo, é a consagração da lesão ao preceito fundamental de proteção ao meio ambiente, indispensável para uma vida digna, por meio da implementação e fortalecimento de uma política socioambiental que prioriza a financeirização da natureza, esvazia os espaços de participação e discussão popular e nega impactos ambientais ocasionados por essa política”, apontou no documento.



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Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar, Conflitos Fundiários

Eixos: Terra, território e justiça espacial