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Lobby para liberação dos transgênicos é dos mais fortes da Europa


Arnaud Apoteker (Foto: Joka Madruga)ENTREVISTA  
Para Arnaud 
Apoteker, representante dos Verdes no Parlamento Europeu, a pressão das transnacionais da biotecnologia e agroquímicos para a liberação é das mais fortes da Europa, mas não se compara com o lobby feito no Brasil

 

Por Ednubia Ghisi, Naiara Bittencourt, Tchenna Maso / Foto: Joka Madruga / Transcrição: Rafaela Pontes de Lima

 

 

Diferente do cenário de liberação das sementes transgênicas na América Latina, na Europa, apenas dois transgênicos têm cultivo autorizado. Para Arnaud Apoteker, representante dos Verdes no Parlamento Europeu, a pressão das transnacionais da biotecnologia e agroquímicos para a liberação é das mais fortes da Europa, mas não se compara com o lobby feito no Brasil.  

 

Segundo Apoteker, entre os fatores importantes para a resistência está a pluralidade de informações que circulam na mídia, o oposto da situação brasileira: “A sorte que temos na Europa é que os meios de comunicação são mais variados que aqui [no Brasil], temos mídias de diversas tendências políticas, sociais”.

 

Arnaud  Apoteker participou do seminário internacional “10 anos de Transgênicos no Brasil”, realizado de 21 a 24 de outubro, em Curitiba/PR.

 

Confira a entrevista:

 

 

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Qual o papel do Parlamento Europeu no contexto da resistência aos transgênicos?

 

O processo de regulamentações dos transgênicos ocorre através de um processo chamado “co-decisão’’, em que a comissão propõe o regulamento, o qual será submetido à apreciação do parlamento, que deverá modificar, vetar ou aceitar a proposta. O parlamento desempenha, portanto, o papel de assegurar um regulamento preventivo, com muita dificuldade, tendo em vista que os “deputados verdes’’ são minoritários, por isso ainda não é o regulamento que queremos. Mas o parlamento transformou a proposta da comissão que era realmente favorável à autorização dos transgênicos, impondo mais precaução, exigindo a realização de estudos, e delegando à Agência de Segurança Alimentar Européia a competência para a avaliação dos testes fornecidos pelo aplicantes. Então é papel do parlamento europeu garantir o mínimo. O parlamento tornou a lei de autorização dos transgênicos mais rígida do que seria se a sua elaboração ficasse a encargo apenas comissão européia. O problema é que depois do regulamento geral dos transgênicos, as autorizações individuais de transgênicos são da competência da Comissão e dos governos nacionais, e o Parlamento Europeu não é mais envolvido.

 

Hoje, na Europa, há um panorama de poucos transgênicos. Você mencionou que apenas dois eventos foram liberados, ambos destinados à produção de ração animal. Quais são os agentes políticos responsáveis por essas conquistas e quem foram os protagonistas das experiências de resistência aos transgênicos na Europa?

 

Eu acompanhei primeiro o que começou em 1996. Historicamente é importante porque começou logo que a União Européia autorizou as primeiras importações de soja transgênica, pouco depois do escândalo da “vaca louca”. Por isso, à época, tudo o que tinha a ver com a alimentação era muito sensível à população européia. Algumas grandes ONGs, como o Greenpeace, Amigos da Terra, alguns grupos de consumidores, organizações de camponeses como a Confederação Camponesa na França e em outros países, uniram-se em uma campanha para tratar dos diferentes aspectos ligados aos transgênicos. Do aspecto do camponês, que perderá sua independência, o aspecto do meio ambiente, com a contaminação genética e o aspecto do consumidor, com uma comida que talvez possa ser perigosa. O título que era interessante. Assim que começou a campanha, um jornal na França escreveu “Alerta, a soja louca está chegando’’, fazendo alusão ao escândalo da vaca louca. Então creio que, historicamente, era um bom momento para se começar a campanha. Além disso, foi uma das primeiras campanhas em que foram formadas alianças entre diferentes setores da sociedade.

 

Como você sente, na Europa, a influência das transnacionais que estão ligadas ao mercado de sementes e venenos?

 

Eu acho que a situação do Brasil é muito semelhante à vivida na Europa. A indústria da biotecnologia, que é a indústria dos agroquímicos, a indústria dos “agro-fornecedores’’, também é muito importante na Europa. Um dos ministros franceses me disse, certa vez, que nunca houve tanta pressão quanto no assunto dos transgênicos, nem mesmo em relação à energia nuclear havia tanta pressão, lembre-se que a França é uma potência nuclear. A pressão é muito forte. No parlamento europeu, por exemplo, onde trabalho agora, os lobbys dos transgênicos são os mais organizados, mas não são tão fortes como aqui. Viajei à Argentina e ao Brasil muitas vezes, e é incrível o peso deles. Aqui, o setor agrícola é muito forte, muito ligado à entrada de divisas no país. Além disso, vejo que aqui o lobby da biotecnologia ou do agronegócio compra os jornalistas, compra os jornais. Não chegamos a esse ponto na Europa, mas não pensem que não tem lobby. É quase o lobby mais forte que temos na Europa. Temos pelo menos cinquenta deputados verdes, não é zero. Então temos, no momento, um pouco mais de poder de resistência ao lobby na Europa.

 

Aqui no Brasil, os grandes veículos de comunicação estão atrelados aos interesses do agronegócio, da monocultura, os latifundiários. Como é esta relação na Europa?

 

A sorte que temos na Europa é que os meios de comunicação são mais variados que aqui, temos mídias de diversas tendências políticas, sociais, temos muitas mídias alternativas, digamos, que falam dos assuntos que os meios mais conservadores não vão falar. Me dá a impressão que aqui é muito pequeno o espaço para os meios realmente independentes. Eu sei que têm alguns, mas na Europa, alguns deles são jornais bem lidos, de grande circulação, não são somente, digamos, marginais. Isso parece, para mim, uma diferença grande. Não é que aqui não se tenha liberdade de imprensa, eu acho que não tem censura, mas tem autocensura dos meios. Mas a questão central é que são poucos. Veja, quando se quer comprar jornal aqui, tem apenas três jornais mais ou menos. No momento estamos tendo também um movimento de concentração na Europa, porém é mais fácil encontrar mídias críticas do agronegócio do que aqui.

 

Tem muitas organizações européias discutindo sobre o agronegócio principalmente nos países periféricos, porque geralmente essas transnacionais, esses mercados estão diretamente relacionados a violações de direitos humanos nesses países, que tem democracias mais fragilizadas. Como é essa discussão na França?

 

A verdade é que não estou muito seguro de como responder a essa pergunta. Na França se fala muito do problema global do agronegócio, não colocamos o dedo aqui ou ali, o que se vê, hoje, é que a agricultura vem se internacionalizando. A crítica forte na França é por que temos que importar milhões de toneladas de soja brasileira ou argentina, que vai ser transgênica, ao invés de cultivá-la na França mesmo? Somos muito críticos à divisão do trabalho, ou do modelo de trabalho imposto pelo agronegócio. Aqui vocês produzem soja para que possamos fazer criação intensiva de porcos, de vacas e tudo isso. Estamos criticando a criação intensiva, pois este modelo somente funciona porque podemos importar milhões de toneladas de ração animal no lugar de produzir a ração animal na Europa mesmo. Esse debate é, todavia, difícil, vou falar apenas dos transgênicos. É importante para os movimentos internacionais que o Brasil não cultive transgênicos, gostaríamos muito de um Brasil livre de transgênicos. Uma ferramenta útil seria que os importadores da soja pedissem ao Brasil que a soja fosse não-transgênica, mas seria melhor não ter de pedir nada ao Brasil e fazer nossa própria soja ou outra planta parecida para alimentar nossos animais. O problema é que, se não pedimos e fazemos nossa própria soja, o Brasil não terá nenhum interesse em não fazer a soja transgênica. Então estamos nessa relação dialética, que é um pouco difícil. Temos que pedir que o Brasil não faça soja transgênica porque os consumidores europeus não querem se alimentar de animais que foram nutridos com soja transgênica, mas seria muito melhor se essa pergunta não existisse e que a carne européia fosse nutrida na Europa.

 

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