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Indígenas e quilombolas falam sobre experiência de construção de protocolos de consulta no Tapajós


Relato da construção de protocolo em território de Minas Gerais também foi trazido em atividade do II Curso de Direitos Humanos e Consulta Prévia

Debate contou com a participação das lideranças indígenas Alessandra Korap Munduruku, Manoel Munduruku, da quilombola de Diamantina (MG) Ione Martins e de Dileudo Guimarães, liderança quilombola de Santarém

Impactados pelo avanço do agronegócio sobre a Amazônia e pelos projetos de megaempreendimentos – como de hidrelétricas e portos – comunidades indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais recorrem cada vez mais à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para garantir seus direitos e a proteção de seus territórios. Esse tratado internacional ratificado pelo Brasil em 2002 determina que povos e comunidades tradicionais tem direito à consulta prévia no caso de projetos, medidas governamentais ou legislativas que impactem os territórios ou modos de vida dessas comunidades.

Para garantir que esse processo de consulta seja efetivo e aconteça da melhor forma, comunidades da região do Tapajós, no Oeste do Pará, optaram por construir protocolos onde descrevem a forma com que gostariam de ser consultados. A experiência no desenvolvimento de três protocolos de consulta por comunidades indígenas e quilombolas do Tapajós foram trazidas no debate ‘Direitos Humanos, democracia e autodeterminação de povos tradicionais’, realizado em Santarém no dia 22 de agosto. O evento fez parte da programação do II Curso de Direitos Humanos e Consulta Prévia, realizado pela parceria entre Terra de Direitos, Najup Cabano - o Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular da Universidade Federal do Oeste do Pará – e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR).

Durante o debate, representantes das comunidades que já elaboraram protocolos de consulta destacaram potencialidades desse instrumento. “É uma ferramenta a mais para defender o nosso direito, o direito das florestas, dos nossos igarapés, sítios arqueológicos, nossos lugares sagrados”, aponta Manoel Munduruku, que participou da construção do Protocolo de consulta dos povos indígenas Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno.

O debate também trouxe a experiência das comunidades quilombolas e apanhadores de flores sempre-vivas de Diamantina (MG), para mostrar as discussões relacionadas a utilização de protocolos de consulta em outras partes do país. Quilombola da comunidade Vargem do Inhaí (MG), Ione Martins conta que a proposta de elaboração de um protocolo de consulta veio com uma alternativa para resistir às violações de direitos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Em 2002, foi criado o Parque Nacional das Sempre Vivas, sem que as comunidades tradicionais da região fossem consultadas. A criação do parque limitou a prática tradicional das apanhadoras de flores, que agora lutam pela recategorização do Parque Nacional e da elaboração de um termo de compromisso com o ICMBio que permita o desenvolvimento da prática sustentável das comunidades.

“A criação do protocolo foi um processo muito rico pois conseguimos colocar no papel as nossas regras”, destaca Ione. A quilombola também destaca a importância de um processo de elaboração coletivo e participativo, com presença forte da juventude do local em linguagem compreensível para todos.  “Hoje as comunidades estão mais fortes”, conta.

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:Protocolo Comunitário de Consulta Prévia Apanhadoras e Apanhadores de Flores Sempre Vivas
Protocolo Comunitário de Consulta Prévia Comunidades Quilombolas Apanhadoras de Flores Sempre Vivas

Conheça as experiências de protocolo de consulta desenvolvidas no Tapajós que foram apresentadas no debate:

Protocolo de consulta quilombola

Elaborado coletivamente pelas 12 comunidades quilombolas da cidade em 2016 o protocolo de consulta quilombola de Santarém foi um importante instrumento de resistência à construção de portos na região do Lago Maicá, que trariam impactos sociais e ambientais e prejudicariam – entre outras coisas – a pesca. Um dos exemplos emblemáticos de violação das comunidades quilombolas está no projeto do Terminal de Uso Privado da Empresa Brasileira de Portos de Santarém (Embraps). No processo de licenciamento ambiental da obra, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) negou a existência dos quilombos na região e desconsiderou a necessidade de consulta prévia na elaboração do projeto. Após denunciadas das comunidades, o licenciamento ambiental foi suspenso com ação movida pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal. Na liminar, o juiz que determinou a suspensão destacou a necessidade de consulta prévia às comunidades.

Após a suspensão do projeto, quilombolas se organizaram para a construção de um protocolo. Em reuniões internas, os quilombolas decidiram realizar oficinas nas 12 comunidades da cidade associadas à Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS). “A gente ia nas comunidades, explicava o que esse porto ia trazer de impacto para as nossas comunidades”.

Depois que foram realizadas todas as oficinas, uma assembleia foi convocada pela FOQS para apresentar e votar as propostas que resultaram das oficinas.

O material foi apresentado ao Mistério Público Federal e Estadual, e também a representantes da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas).

Presidente da FOQS, Dileudo Guimarães destaca o potencial dessa ferramenta. “Os protocolos de consulta ajuda bastante. Porque as pessoas não tinham respeito pelas nossas comunidades”, conta. “Ele não serve só para o porto do Maicá, mas serve para muitas outras coisas que venham acontecer”.

A experiência da construção do protocolo de consulta quilombola foi registrada no documentário Protocolos de Consulta no Tapajós: experiências ribeirinhas e quilombolas

O Protocolo foi construído pelas comunidades de Saracura, Arapemã, Surubiu-Açú, Nova Vista do Ituqui, São José do Ituqui, São Raimundo do Ituqui, Patos do Ituqui, Pérola do Maicá, Bom Jardim, Murumutuba, Murumuru e Tiningu, organizados na FOQS, com apoio da Terra de Direitos.

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Protocolo de consulta Munduruku

Elaborado ao longo do ano de 2014, o Protocolo de Consulta Munduruku é emblemático na luta dos indígenas da região do Alto, Médio e Baixo Tapajós. Liderança Munduruku da Aldeia Praia do Índio, em Itaituba (PA),  Alessandra Korap conta que o documento foi construído como forma de barrar as violações de direitos trazidas pelo projeto de construção da Usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós – prevista para ser a maior do Complexo Tapajós. Nos estudos da obra, pesquisadores começaram a entrar dentro do território indígena sem permissão. Os indígenas também não foram consultados sobre a possibilidade do empreendimento – mesmo que fossem diretamente afetados.

Exigindo o direito à consulta, decidiram construir um protocolo para definir como gostaria de ser consultados. O documento que resultou dessa discussão determina que o processo de consulta deve ser realizado dentro do território, mas não deve ser feito em momentos que atrapalhem a dinâmica da comunidade – como no tempo de plantio, colheita ou pesca. O processo de consulta também deve ser realizado na língua Muduruku, com tradutor indicado pela comunidade. Todas as pessoas do território também devem ser consultadas. “As reuniões têm que durar até o povo entender”, explica Alessandra. Os indígenas Munduruku também exigem que o protocolo seja respeitado. “Nós queremos decidir quem entra no nosso território. Quando alguém chega em uma casa é o dono que decide se convida para entrar e tomar café”.

Com o protocolo em mãos, os Munduruku também conseguiram impedir a realização de uma audiência pública sobre o Ferrogrão – projeto que forma um corredor ferroviário para exportação de grãos -, em dezembro de 2017, na cidade de Itaituba.

O Protocolo Munduruku foi construído pelo Movimento Munduruku Ipereg Ayu, Associações Da’uk, Pussuru, Wuyxaximã, Kerepo e Pahyhyp, com apoio do Fórum  da Amazônia Oriental (FAOR), Greenpeace, Fase, Cimi, Ministério Público Federal e Nova Cartografia.

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Protocolo de consulta dos povos indígenas Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno

A construção de um protocolo de consulta de quatro aldeias da etnia Munduruku e uma da etnia Apaiká foi uma das saídas encontradas para enfrentar o avanço do agronegócio que ameaça a Terra Indígena Muduruku do Planalto Santareno.

As cinco aldeias começaram a se reunir em para pensar a necessidade de um documento aliado na defesa do direito indígena. Em 2017, lançaram um protocolo de consulta resultado de muitas discussões. O texto determina que todos os indígenas do território devem ser consultados nos assuntos que os afetam – tanto em projetos de empreendimentos como em questões como saúde e educação.

O documento também determina como o governo deve realizar essa consulta: o tempo mínimo para que indígenas sejam avisados do interesse no processo de consulta, o tempo que o governo deve permanecer no território durante as reuniões informativas, e o tempo que a comunidade estabelece para dar um retorno ao governo.

Para nós o protocolo de consulta significa que, antes de um governo planejar o “desenvolvimento” que eles chamam dentro da Amazônia – com hidrelétricas, desmatamento, soja, garimpo...  – o governo precisa nos comunicar para nos reunirmos dentro do território”, explica Manoel Munduruku. “Porque o “desenvolvimento” que eles chamam é o das empresas, não é o nosso. Só nós sabemos o impacto que vai causar dentro das aldeias ou comunidades ribeirinhas e quilombolas”, destaca.            

O protocolo de consulta foi construído pelos povos das aldeias Açaizal, São Pedro do Palhão, São Francisco da Cavada, Ipaupixuna e Amparador.

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Assista o debate na íntegra:



Ações: Quilombolas, Empresas e Violações dos Direitos Humanos, Impactos de Megaprojetos
Casos Emblemáticos: Portos do Maicá
Eixos: Terra, território e justiça espacial