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Indígenas do Baixo Tapajós (PA) denunciam violação do direito de consulta em Projeto de lei sobre educação


De autoria do Governo do Pará, proposta legislativa é repleta de retrocesso e viola termo de compromisso firmado com povos indígenas em fevereiro 

Audiência realizada pelo Cita na última semana. Foto: Cita

Povos indígenas do Baixo Tapajós, representados pelo Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), encaminharam, nesta quinta-feira (02) ao Ministério Público Federal, uma denúncia contra o Governo do Estado do Pará pela elaboração e envio do Projeto da Lei 617/2015 para a Assembleia Legislativa do Estado.  

De acordo com a denúncia, a proposta legislativa que visa instituir a Política Estadual de Educação Indígena viola o direito de consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas sobre matéria de seu interesse, descumpre o termo de compromisso firmado pelo Governo estadual em fevereiro com os povos indígenas e contém uma diversidade de retrocessos. 

Na denúncia o movimento indígena destaca que o PL se insere numa sequência de violações de direitos do Governo do Estado na pauta da educação indígena. “É preciso evidenciar que essa violação do Governo do Estado do Pará não é isolada e nem decorrente da sua falta de conhecimento da realidade dos Povos Indígenas aos seus direitos e reivindicações, incluindo, o direito à educação indígena”, enfatiza a denúncia.   

Em janeiro e fevereiro deste ano o movimento indígena realizou mobilizações, com a ocupação da Secretaria de Educação do Pará (Seduc) e o bloqueio parcial do quilômetro 83 da BR 163, em Belterra – como meio de pressão ao Governo estadual para revogação da Lei 10.820/24, que institui o ensino à distância em comunidades indígenas.  

Sem realização de consulta aos povos e respeito aos direitos dos povos originários assegurados na Constituição Federal e normativas internacionais, a lei é questionada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7778, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, e criticada na Recomendação nº 01/2025 do Ministério Público Federal. As ações violentas do Estado e de criminalização das lideranças também foram objeto de denúncia, em estudo realizado pela Terra de Direitos. As mobilizações só foram suspensas em fevereiro após ser firmado um termo no qual o Governo do Pará assumiu o compromisso em revogar a Lei 10.820 e criar de Grupo de Trabalho com composição paritária para elaboração de uma nova lei de educação indígena.  

No entanto, na denúncia encaminhada nesta quinta o movimento indígena destaca que, de partida, a elaboração do projeto de lei desrespeitou o acordo feito em fevereiro. “A composição do GT foi definida de forma unilateral pelo Estado, o que esvaziou sua legitimidade e excluiu vozes fundamentais para o processo democrático. Assim, em vez de constituir um espaço de construção coletiva, o GT funcionou como um mecanismo formal para legitimar decisões já previamente tomadas, aprofundando a desconfiança dos povos indígenas em relação às intenções governamentais”, aponta um trecho da denúncia.  

Outro aspecto presente na denúncia é a de que o seminário realizado no dia 25 de maio não se configura como consulta prévia, livre e informada, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A normativa da qual o Brasil é signatário determina que os povos originários e tradicionais devem ser consultados sobre qualquer medida que afete seus modos de vida. A consulta deve ser prévia a implementação da medida, com informações acessíveis ao público e com tempo suficiente para os povos avaliarem os impactos da ação.  

Na avaliação dos denunciantes, a atividade do poder público realizada no 1º semestre não possibilitou tempo para análise da proposta pelos povos indígenas, não foi traduzida para as línguas indígenas, como também não garantiu a efetiva participação na tomada de decisão. “O que se chamou de consulta não passou de um ato de fachada, esvaziado de legitimidade, que visou apenas conferir aparência de legalidade a um processo legislativo já em curso”, aponta a denúncia. 

Para o vice-presidente da Cita, Lucas Tupinambá, “A forma que eles nos abordaram aqui não é forma de consulta. O que a gente reconhece como consulta, é a consulta que vai para os nossos territórios”, complementa a liderança. 

“A denúncia reflete a constante luta do Cita em defesa da autonomia e dos direitos dos povos indígenas no Baixo Tapajós e devem ser respeitados e garantidos pelo Estado, principalmente, através da Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa-fé e expressa o direito à autodeterminação dos povos”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Paula Harumi. A Terra de Direitos assessora juridicamente o Cita no apoio na denúncia. 

Retrocessos  
A denúncia ainda destaca que o Projeto de Lei em tramitação na Alep aprofunda retrocessos e resgata pontos já superados na negociação em fevereiro deste ano. Um dos destaques no texto legislativo é que a política educacional indígena deve ser restrita ao território indígena “tradicionalmente ocupado". No entanto, o termo na lei restringe apenas os territórios demarcados, em processo de demarcação ou da união. Essa delimitação não reflete a realidade dos conflitos fundiários na região, aponta o Cita. 

Na avaliação do movimento indígena a redação exclui e ignora territórios em processo de identificação e delimitação, o que deixaria diversas comunidades sem acesso à política de educação escolar indígena. De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas (Apib) cerca de 268 territórios indígenas estão em processo de demarcação. Caso aprovada, a lei excluiria, por exemplo, estes territórios de acesso à uma política educacional específica.  

“A tentativa de impor modelos uniformes, sem respeitar as especificidades socioculturais dos povos, nega o direito à educação diferenciada e intercultural, que deve ser garantido como política pública permanente. Assim, o Projeto de Lei nº 617/2025 não apenas falha em promover direitos, mas produz retrocessos inconstitucionais e inconvencionais, que não podem ser admitidos no ordenamento jurídico brasileiro”, alerta a denúncia. 

A denúncia ainda destaca que a introdução de Ensino a Distância (EAD) é inadequada à realidade das aldeias e que a transferência da escolha de Coordenadores e Diretores apenas pelo Conselho Estadual de Educação Indígena (CEEEI), que deveria ter caráter de apoio e orientação e construção conjunta, configura-se como perda de autonomia, violação do direito de autodeterminação dos povos e à organização própria, entre outros retrocessos.  

Reivindicações 
Na denúncia o movimento indígena reivindica que o MPF recomende do Governo do Pará e Assembleia Legislativa do Estado, com urgência, o arquivamento do Projeto de Lei 617/2015, assegure do direito de consulta prévia em medidas sobre a pauta da educação indígena e instaure um inquérito civil para apurar a conduta do Governo do Estado do Pará no descumprimento do Termo de Compromisso”, firmado no fevereiro de deste ano.  

Caso a recomendação não seja acatada pelo Governo e Assembleia, os denunciantes reivindicam que o MPF ajuíze uma Ação Civil Pública para que sejam garantidos os direitos dos povos indígenas. 

 



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Eixos: Política e cultura dos direitos humanos