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Em defesa do Tapajós, indígenas entregam Carta à relatora da ONU


Lideranças indígenas do Alto, Médio e Baixo Tapajós se deslocaram, no início da semana, pela Transamazônica, até Altamira, onde entregaram uma Carta Denúncia para Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direitos dos povos indígenas. 

Na foto, a relatora da ONU (de vermelho, segurando uma menina munduruku) encontra-se com lideranças do Tapajós, na cidade de Altamira, Pará.

Victoria Tauli-Corpuz, que também é uma liderança indígena (do povo Kankanaey Igorot) nas Filipinas, esteve no Brasil, entre 7 e 17 de março de 2016, seguindo um roteiro de visitas que incluía reuniões no Mato Grosso do Sul, Bahia e Pará. Na passagem por Brasília, ocasião em que esteve na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), ela comentou sobre o retrocesso nos direitos dos povos indígenas no Brasil: “Se a PEC 215 for aprovada, a possibilidade de os povos indígenas terem acesso às suas terras, e de seus direitos serem respeitados, será efetivamente reduzida”.

No Pará, o principal motivo da visita era ouvir as lideranças do Xingú sobre as violações de direitos referentes à construção da Usina de Belo Monte e ao não cumprimento das condicionantes sócio-ambientais, previstas em contrato, que em grande parte não estão sendo cumpridas pelo Governo Federal e pela Norte Energia, o consórcio de empresas responsável pela obra.

E como agora, na bacia do Rio Tapajós, o Governo Federal e empreiteiras começam a construir um complexo de usinas hidrelétricas, a relatora também conversou com representantes dos treze povos do Baixo Tapajós (Munduruku Cara Preta, Arara Vermelha, Apiaká, Arapiun, Borari, Jaraqui, Kumaruara, Kayabi, Tapajó, Tapuia, Tupaiú, Maytapu e Tupinambá) e também com os Munduruku, a mais populosa etnia do sudoeste do Pará, que vivem no Médio e no Alto Tapajós.

A Carta Denúncia, escrita colaborativamente pelas lideranças dos povos que vivem na bacia do Rio Tapajós, foi entregue, no dia 15 de março, à relatora da ONU, Victoria Tauli-Corpuz.

Ela recebeu pessoalmente a Carta e ouviu os relatos dos indígenas, preocupados principalmente com os impactos do Complexo Hidrelétrico que o governo está planejando construir nos seus territórios.

Para estimulá-los nas mobilizações pela defesa dos seus territórios, contou a sua história de lutas junto ao seu povo: “Venho de uma região nas cordilheiras filipinas que, nos anos 1970 e 1980, era ameaçada por um enorme projeto hidrelétrico que iria afetar mais de 300 mil indígenas. Não queríamos nossas terras ancestrais e nossos campos de arroz enterrados debaixo da água. Muitas lideranças foram presas e mortas, outros foram torturados, mas nós vencemos e a usina nunca foi construída. O governo teve que desistir e o Banco Mundial foi obrigado a retirar o financiamento. Em 1986 o projeto foi definitivamente cancelado e hoje não temos usina no nosso território. Eu compartilho isso com vocês porque acredito que o povo do Tapajós ainda tem chances de paralisar o projeto hidrelétrico. Vocês estão unidos e fortes, e isso vai possibilitar que não permitam que destruam o seu futuro.”

Do Baixo Tapajós, três lideranças indígenas estavam representando seus povos no encontro: Auricelia Fonseca, do povo Arapiun, Iannuzy Tapajós, do povo Tapajó, e Doralice dos Santos, dos munduruku da região de Belterra. Iannuzy (de camisa preta na foto), que também é coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), conversou com a assessoria de comunicação da Terra de Direitos e conta aqui como foi a reunião e a conversa com Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direitos dos povos indígenas.

Terra de Direitos: O que motivou as lideranças indígenas do Alto, Médio e Baixo Tapajós irem juntos até Altamira, onde a relatora da ONU esteve para ouvir as comunidades impactadas por Belo Monte?

Iannuzy Tapajós: Duas coisas principais nos levam a estar juntos, a fazer toda uma denúncia a relatora. O primeiro ponto são esses grandes projetos, esses grandes empreendimentos que vem atingir a nossa região do rio Tapajós. E a outra é a aliança que os Munduruku, mais os treze povos do Tapajós, estão fazendo. Isso é pra fortalecer uma só luta.

Terra de Direitos: Como foi o encontro com ela?

Iannuzy Tapajós: Nós tivemos um momento exclusivo de conversa com a relatora, uma vez que ela já vinha de uma outra reunião com outros indígenas: os Arara, os Xipá e os Juruna, que foram atingidos diretamente pela Bela Monte. Já na terça-feira (15 de março) nós tivemos reunião só com o pessoal do Baixo, Médio e Alto Tapajós e logo em seguida com outros representantes indígenas da região do Xingú, que fazem parte do Comitê que organiza o Plano de Assistência da Norte Energia, que fez toda aquela desgraça na terra deles e agora de uma forma estão querendo dar uma assistência. Então tem um comitê que trabalha exclusivamente pra isso. Mas, antes dessa reunião com a relatora, na segunda-feira, nós tivemos uma reunião entre indígenas. O objetivo era saber sobre os impactos que aconteceram e o que eles do Xingú estão sentindo hoje com a construção dessa hidrelétrica. Eles relataram a situação que estão passando, as privações, não tem casa, alagou as ilhas onde tinham casas. Tivemos as conversas com os ribeirinhos que também foram atingidos por essa barragem. E nós ficamos solidários a eles diante dessa situação, falando uma só língua, que não é pra gente aceitar a construção das hidrelétricas no Tapajós, porque os impactos que eles estão sentindo hoje, se a gente deixar as barragens acontecerem na região do Tapajós, vai ser até pior que a região deles lá.

Terra de Direitos: Como a relatora recebeu essas demandas dos indígenas do Alto, Médio e Baixo Tapajós?

Iannuzy Tapajós: Ela foi enfática ao dizer que estava ali fazendo as investigações e recebendo as nossas denúncias porque é o papel dela, uma vez que ela também é indígena. Então ela deixou a gente muito à vontade para relatarmos o que está passando, quais são as demandas, e a gente foi pontuando: os grandes empreendimentos, hidrelétricas, portos graneleiros, madeireiros e sojeiros entrando nas nossas terras, entrada de estrangeiros, de pesquisadores que usam as nossas informações. E ela ficou muito preocupada porque de alguma forma a gente tenta ajudar para que esses pesquisadores façam um trabalho em prol da gente, mas na verdade é tudo ao contrário. E nós também denunciamos a forma com que o governo age com as populações indígenas. Ele é omisso diante de todos esses massacres. Denunciamos o grande genocídio que o governo tem feito, matando a nossa cultura, a nossa língua, as nossas tradições. Denunciamos também o envolvimento dessas grandes empreiteiras, essas grandes empresas que financiam as campanhas eleitorais e que colocam a nossa vida em jogo, como a Odebrecht, em troca da nossa mata, do nosso rio. As consequências quem sente somos nós.

Terra de Direitos: Como a entrega dessa carta à relatora pode contribuir no movimento contra as hidrelétricas no Tapajós?

Iannuzy Tapajós: É uma esperança de que a Organização das Nações Unidas (ONU) entre com uma ação rigorosa contra o governo, fazendo com que se dê um freio nesse tipo de projeto, de financiamento. Diante de todos esses problemas que a gente passa e que eles (ONU) se põe à disposição, por enquanto a gente não está tendo a resposta. Já tivemos várias lideranças na ONU fazendo denúncias e até o momento não teve uma resposta. Até que ponto essa organização vai dar a resposta que nós queremos? Se realmente ela vai nos ajudar e se realmente ela vai apresentar para o governo essa proposta. Segundo a fala da relatora, depois da nossa conversa, ela iria para Brasília para uma conversa com o governo federal para mostrar que em todas as visitas que ela fez, no Mato Grosso do Sul, aos Guarani Kaiowa, na Bahia, aos Pataxó, e aqui no Pará, é tudo semelhante. É sempre essa violação de direitos, governo colocando empresas e mais empresas, não fazendo consulta prévia, não tem a sensibilidade de ouvir essas populações que vão ser atingidas. E ela vai querer ouvir do governo, o que ele tem a dizer diante de toda essa situação. Posterior a isso vai ter em setembro uma conferência das Nações Unidas em Genebra e ela vai apresentar todas essas demandas e a partir daí é que a gente vai ter as respostas que queremos. Qual vai ser a postura da ONU diante dessas denúncias? Fazendo com que o governo pare, dê um freio, que o governo se responsabilize por todo esse massacre que está fazendo. A gente espera uma resposta positiva né. A gente acreditou no governo, nesse sentido do governo dizer que não ia fazer, mas acaba que na realidade não é nada disso.

Quando nós tivemos a conversa com os parentes do Xingú, a gente ficou muito sensibilizado porque lá eles informavam que o governo, e a empresa que fazia todo esse trabalho, iria dar o retorno pras comunidades, para aqueles povos, como saúde, educação, as casas. Mas isso foi só no papel. Nós tivemos a oportunidade de conhecer um assentamento em que eles colocaram as pessoas, os ribeirinhos e é uma humilhação a casa que eles preparam, que fica rachando, as casas caindo, que ainda nem completaram dois anos. Fora os outros bens que eles oferecem, como gasolina, carro, casa, pra dividir o movimento, dividir as lideranças. Eles vão cooptando dessa maneira as lideranças. E muitas lideranças se deixam levar por isso, achando que é verdade o que eles estão fazendo. Na verdade isso não acontece. Só fica no papel. As comunidades sofrem com isso. As famílias que precisam ter casa, não tem. Eles dão sumiço no formulário, na documentação, diz que não fizeram, que aquele povo não fez o cadastro. Ou seja: se são três famílias cadastradas, duas eles tiram e apenas uma ganha a casa enquanto duas ficam desalojadas. E a gente está percebendo esse caos. Populações indígenas, principalmente, não tem onde ficar, são indígenas na cidade, a gente percebe andando. Enquanto poucos tem, que são comprados, muitos sofrem necessidade, falta de saúde, educação, sendo esquecidos. E se a gente deixar esse tipo de projeto acontecer na região do Alto Tapajós, direta ou indiretamente o Médio e o Baixo Tapajós serão atingidos.


Aqui, na íntegra, o documento entregue pelas lideranças do Tapajós à Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direitos dos povos indígenas:

CARTA DENUNCIA DOS POVOS INDÍGENAS NO ALTO, MÉDIO E BAIXO TAPAJÓS

Foto de Marizilda Cruppe, tirada em 26/11/2014, mostrando Ativistas do Greenpeace e índios Munduruku. Pedras formam a frase nas areias de uma praia às margens do rio de mesmo nome, próximo ao município de Itaituba, no Pará. O protesto, que contou com a participação de 60 Munduruku, ocorreu onde o governo pretende construir uma das hidrelétricas projetadas para a bacia do Tapajós.

Nos povos indígenas do Rio Tapajós Munduruku alto, médio e baixo Tapajós, Arara Vermelha, Apiaka, Arapiun, Borari, Jaraqui, Kumaruara, Kayabi, Tapajós, Tapuia, Tupaiú, Maytapu, Munduruku Cara Preta, Tupinambá, vimos denunciar os grandes desrespeitos ao patrimônio Indígenas do rio Tapajós no Estado Pará, ameaçado pelos grandes projetos e empreendimentos: Usinas hidrelétricas; Mineração; Agronegócios; Hidrovias e portos graneleiros, negação de autoafirmação pelas instituições federais e judiciais, implantados e impregnados pelo governo federal brasileiro em nosso território.

Nossa historia diz que o rio Tapajós é o berço da nossa criação, nosso território é nosso patrimônio que o nosso líder guerreiro munduruku KAROSAKAYBU deixou para nós e a humanidade. Essa história está ameaçada junto com 15 mil munduruku que serão afetados diretamente e mais 13 povos totalizando aproximadamente 10 mil indígenas que direta e indiretamente serão afetados e exterminadas como a nossa cultura, nossa língua e nossa identidade pelo governo brasileiro e seus projetos de morte que afetam nossos direitos de bem viver no nosso território.

Denunciamos a esta relatoria para os direitos indígena da ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU os grandes massacres e o grande genocídio e etnocídio que o Governo brasileiro tem feito e continua fazendo para estes povos da Amazônia e diante de toda essa violação dos nossos direitos garantidos na constituição federal 231 e 232 e na convenção 169, anunciam o leilão da Usina de São Luiz do Tapajós para o segundo semestre desse ano 2016, sem ter realizado a consulta livre, prévia e informada garantida pela a Convenção 169 aos povos ameaçados pelas hidrelétrica e os grades empreendimentos na Amazônia. Queremos ser ouvidos e respeitados através do Protocolo Munduruku. A terra indígena Sawré Muybu está com estudos da identificação e delimitação territorial tramitando na Fundação Nacional do Índio – FUNAI, aguardando a publicação do relatório desta terra, assim como outras T.Is que estão com relatórios que foram publicados, mas aguardando o continuação do processo, outra com relatórios para serem publicados e outras para iniciarem o processo de identificação e delimitação com a criação de Grupos de Trabalhos – GT, evitando assim a entrada e implantação desses grandes empreendimentos dentro desses territórios.

Denunciamos também a entrada de estrangeiros e pesquisadores oportunistas nas nossas terras cooptando, subornando e especulando lideranças, usando as informações adquiridas para jogar contra nós a favor do governo, outras para terem acesso as nossas terras pretas (terra sagrada), ervas medicinais (medicina tradicional) e a implantação de credito de carbono nas terras indígenas.

Ouvimos dos parentes indígenas aldeados e não aldeados que foram afetados pela usina hidrelétrica BELO MONTE o descaso e a violação dos seus direitos tais como: direito de reassentamento negado pelo empreendedor, quebra de laço de parentesco, a recomposição do modo de vida, a perda dos territórios dos indígenas que habitam a área do lago, que estão alagados, e perda dos territórios pesqueiro, rios alagados, pedral, piracemas, praias, matas desmatadas, ilhas queimadas e alagadas, as casas que habitam foram derrubadas com motosserras, queimadas e aterradas com tratores, e o governo Lula/Dilma é omisso a esses casos. Queremos denunciar para o mundo inteiro essa violação de direitos. Anexamos mais quatro documentos para conhecimento, sendo que um dos anexos já é do conhecimento das Nações Unidas. 

 



Ações: Impactos de Megaprojetos

Eixos: Terra, território e justiça espacial