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Assinatura de documento da Comunidade Pérola do Maicá caminha para titulação do primeiro quilombo de Santarém


Após pressão judicial e intensa luta da comunidade, resta apenas que o título seja registrado em cartório para que parte da área da comunidade seja titulada.

Com a titulação do território, famílias poderão acessar diferentes políticas públicas (foto: Bob Barbosa)

Quando moradores da Comunidade Quilombola Pérola do Maicá foram chamados para uma reunião na prefeitura de Santarém (PA), no dia 9 de novembro, achavam que teriam mais informações sobre o processo de titulação da área que se arrasta há 12 anos. A notícia que receberam lá foi muito melhor: após determinação judicial, a prefeitura finalmente assinou o título de parte do território onde vivem 15 famílias. Foram firmados os documentos de três das sete áreas da comunidade.

Com isso, o quilombo Pérola do Maicá está no último passo para ter efetivado o direito previsto na Constituição Federal – falta apenas que os títulos sejam reconhecidos em cartório para que o território seja, enfim, titulado.

Moradora do quilombo, Lídia Amaral foi uma das pessoas surpreendidas com a assinatura do título quando participava da reunião. “Essa é uma conquista de todo o coletivo quilombola aqui de Santarém”, comemora. Dos 12 quilombos reconhecidos pela Fundação Palmares na cidade, o Pérola do Maicá é a comunidade com processo de titulação mais avançada, e deve ser a primeira a ser titulada.

Presidente da Associação dos Remanescentes do Quilombo do Arapemã Residentes no Maicá, José Humberto da Cruz não esconde a felicidade. “É um sonho que está sendo realizado. Agora vamos poder fazer projetos em nome da Associação, e fazer muitas coisas para comunidade”.

Único quilombo urbano de Santarém, a comunidade foi formada pelo deslocamento de famílias que saíram da área rural e se instalaram na cidade no fim da década de 1980. Grande parte dos quilombolas vieram do Quilombo Arapemã, localizado em área de várzea, por causa do fenômeno chamado de “terras caídas”, uma erosão que prejudica as áreas ribeirinhas e de várzeas do município.

Atualmente, muitas famílias da Comunidade Quilombola Pérola do Maicá ainda vivem da pesca, do extrativismo e da agricultura, como outros quilombos da cidade. Agora, os e as quilombolas terão a segurança da posse da terra, como conta Dileudo Guimarães, presidente da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS). “Esse título é importante porque dá garantia daquelas áreas de terra para comunidade. Isso facilita para que a comunidade possa trabalhar projetos e receber políticas públicas”.              

Pressão judicial

A assinatura dos títulos do quilombo acontece após longa batalha com a prefeitura de Santarém. Certificada como comunidade quilombola pela Fundação Cultural Palmares em 2007, o Pérola do Maicá é também o único quilombo urbano da cidade.

Após a certificação, foi aberto o processo administrativo para a titulação do território no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em 2013, no entanto, a prefeitura de Santarém ajuizou uma Ação Civil Pública para questionar o processo de titulação. Em 2015, após acordo realizado com Incra e com a Associação dos Remanescentes do Quilombo do Arapemã Residentes no Maicá, acompanhado pelo Ministério Público Federal, a prefeitura se comprometeu a titular as sete áreas do quilombo.

Passados três anos desde que o acordo foi firmado e sem ter sido cumprido, a Justiça Federal de Santarém determinou, em agosto deste ano, que a prefeitura deveria titular as áreas que já estavam prontas para titulação dentro de um mês, além de tomar medidas para solucionar o problema de outras três áreas. Caso não cumprisse a determinação judicial, o município deveria pagar uma multa de R$ 5 milhões, entre outras sanções.

Em setembro, um decreto assinado pelo prefeito Nélio Aguiar declarou três áreas da comunidade como de interesse social, para fins de desapropriação.

Advogada popular da Terra de Direitos que acompanhou o caso, Layza Queiroz lembra que a assinatura do título só foi possível pela intensa luta da comunidade. “Foi necessária a interferência da Justiça para que os e as quilombolas tivessem seus direitos respeitados. Agora aguardamos a titulação das outras áreas, bem como o andamento dos demais processos titulação.  O Maicá foi a primeira de muitas outras comunidades que há décadas lutam pela titulação de seus territórios”, destaca.

Ameaças ao território

Os conflitos envolvendo a prefeitura de Santarém são apenas um dos desafios enfrentados pelos moradores do Quilombo Pérola do Maicá. Eles convivem também com a ameaça de construção de um porto da Empresa Brasileira de Portos de Santarém (Embraps) na região do Lago do Maicá. Caso a obra se concretize, os quilombolas podem sofrer com diferentes impactos ambientais, econômicos e sociais que resultam do novo empreendimento. A atividade de pesca, por exemplo, estará ameaçada. O aumento populacional, aumento da violência e alterações na fauna e na flora são alguns dos efeitos provocados por obras semelhantes em regiões próximas, como na cidade de Itaituba.

Atualmente, o processo de construção do porto segue parado após a suspensão do licenciamento ambiental da obra. O licenciamento foi suspenso até que seja realizada a Consulta Livre, Prévia e Informada de quilombolas, pescadoras e pescadores e indígenas da região. A consulta desses grupos tradicionais que serão impactados está prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Após denúncias dos movimentos sociais, o desrespeito à convenção 169 da OIT levou o Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público Estadual (MPE) a ajuizarem uma Ação Civil Pública contra a Embraps, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), o Estado do Pará e a União.

Na ação, foi concedida liminar suspendendo o processo de licenciamento ambiental do Terminal de Uso Privado da Embraps até que fosse realizada a consulta prévia. A concessão da liminar fez com que a Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS) iniciasse uma grande mobilização comunitária para a construção do seu próprio protocolo de consulta.

O processo de elaboração do protocolo durou cerca de quatro meses e contou com o apoio da Terra de Direitos. Foram realizadas oficinas em todas as 12 comunidades, diversas formações entre as lideranças da FOQS, além de uma assembleia final que contou com a participação de cerca de 200 pessoas. O documento final foi aprovado e encaminhado aos órgãos públicos.

Acesse | Protocolo de Consulta Quilombola



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Ações: Quilombolas
Casos Emblemáticos: Portos do Maicá
Eixos: Terra, território e justiça espacial