Gazeta do Povo | Comunidade de Curitiba será reurbanizada por coletivo de arquitetos


Formado por famílias de catadores de material reciclado, comunidade no Boqueirão busca financiamento para melhoria de moradias precárias

Sociedade Barracão passará por processo de reurbanização, com a construção de novas moradias e de infra-estrutura para uso coletivo. Foto: Coletivo Trena/Divulgação

Com objetivo de reurbanizar uma área do bairro Boqueirão ocupada há quase 20 anos em Curitiba, o Coletivo Trena está em busca de recursos por meio de um financiamento coletivo. Atualmente 12 famílias integram a chamada Sociedade Barracão, uma comunidadeformada por catadores de material reciclável que moram no terreno de uma fábrica de máquinas e peças industriais que foi à falência na década de 1990.

O arquiteto do Coletivo Trena e coordenador do projeto na Sociedade Barracão, Leonardo Bueno, explica que o objetivo inicial era facilitar o acesso da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) no local. Ele conta que as casas não tinham água encanada nem ligação deesgoto, e que a Sanepar alegava que era necessária uma limpeza no terreno. Além de residência, o local era área de trabalho dos catadores, onde eles faziam o processo de separação do material reciclável. Foi realizado um trabalho de conscientização junto aos moradores e eles próprios se organizaram e promoveram a limpeza. “A Sanepar já está trabalhando no local. Agora estamos no processo de arrecadar financiamento e executar a obra de reurbanização com o objetivo da Copel [Companhia Paranaense de Energia] fazer a ligação com a rede elétrica”, completa o arquiteto.

O projeto

O projeto prevê a criação de 12 casas, uma por família, no terreno com 1.443 m². “Cada residência foi desenvolvida por um arquiteto do coletivo, em constante diálogo com os moradores. Por isso as casas não são todas iguais, respeitando as diferentes necessidades”, conta Luíza Caroline de Abreu, arquiteta e urbanista que também integra o Coletivo Trena. No total, o coletivo é composto por 17 profissionaisvoluntários que oferecem assistência técnica em arquitetura e urbanismo para comunidades em situação de vulnerabilidade social.

Foram cerca de quatro meses desde o primeiro contato dos arquitetos com a comunidade até a finalização do projeto. O coletivo ressalta que o projeto final foi apresentado após reuniões quinzenais com os moradores e que eles tiveram participação ativa no processo.

No primeiro momento, o diálogo foi sobre a separação do espaço de moradia e de trabalho. “Os moradores disseram que não era uma questão de opção, eles não tinham outro espaço para deixar os materiais recicláveis e, por isso, ficavam dentro ou muito próximos às casas”, conta Leonardo Bueno. Com a intervenção do Coletivo Trena, os moradores concordaram que será necessário buscar outra alternativa para armazenar os materiais recicláveis.

A comunidade está instalada a uma quadra do Rio Belém e sofre com as frequentes enchentes. Luíza conta que para resolver o problema, o Coletivo Trena planejou elevar as casas 70 centímetros acima da rua, o suficiente para não alagar.

O projeto de reurbanização tem como principal preocupação garantir a moradia digna das famílias, conforme informa Leonardo. Além das casas, está prevista uma pequena praça, o calçamento do entorno, a criação de uma rua interna em concreto vazado com grama dentro (auxiliando na permeabilidade), a delimitação de cada lote com cercas e a plantação de árvores frutíferas, como limoeira, laranjeira e pitanga.

Financiamento

O Coletivo Trena apostou no financiamento coletivo para viabilizar o projeto de reurbanização da Sociedade Barracão. O financiamentoiniciou em outubro e a meta é arrecadar R$ 29 mil até dia 17 de dezembro.

O orçamento considerou os materiais necessários para o projeto, como areia, contenções laterais e mudas de árvores frutíferas. Também foram contabilizadas recompensas que serão enviadas para os doadores que vão de cadernos à consultoria de arquitetura de interior. A ideia é incentivar doações em valores mais significativos. Quem doar mais de R$ 500, por exemplo, é recompensado com consultoria para ambientes internos de até 15 m². Se o apoio for a partir de R$ 1 mil, o coletivo presta o serviço de consultoria para ambientes de até 60 m², solucionando problemas com disposição de móveis, circulação e escolha de cores.

Além do financiamento coletivo, eles estão fazendo contatos com lojas para doação de material de construção. Leonardo Bueno explica que a ideia é executar a obra sem gastos com construtora ou pedreiros, reunindo moradores e parceiros para um mutirão de construção.

A Sociedade Barracão

O Coletivo Trena conheceu a comunidade a convite da Terra de Direitos, organização de direitos humanos que já atuava no local. A fábrica falida foi ocupada em 1999 e apenas 14 anos depois a comunidade recebeu parecer favorável na ação de usucapião. Foi em 2013, quando o Tribunal de Justiça do Paraná reconheceu o direito à moradia por usucapião coletivo em imóvel de massa falida, confirmando a decisão da juíza de primeiro grau da 6ª Vara de Curitiba.

A advogada da Terra de Direitos, Maria Eugenia Trombini, comenta que foi a primeira sentença de usucapião coletivo no estado, concedendo direito à moradia para várias pessoas, não apenas uma. A fábrica de máquinas e peças industriais recorreu em diferentes instâncias. A advogada explica que a regularização da terra não foi averbada em cartório por causa dos recursos que aguardam decisão em Brasília.

Além do Coletivo Trena e da Terra de Direitos, o Centro de Formação Urbano e Rural Irmã Araújo (Cefuria) e o Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge-PR) também atuam na comunidade.



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Ações: Direito à Cidade, Conflitos Fundiários
Casos Emblemáticos: Sociedade Barracão
Eixos: Terra, território e justiça espacial