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Trabalhadores do Incra em Santarém denunciam paralisação das ações da autarquia


Aparelhamento, assédio e estabelecimento de metas inalcançáveis aos servidores da superintendência do Oeste do Pará inviabilizam compromisso com Reforma Agrária

Imagem da greve dos servidores em julho de 2015. (Foto: Reprodução/TV Tapajós)

Servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) do Oeste do Pará (SR-30) divulgaram, na última quarta-feira (7), manifesto em que denunciam o atual quadro de aparelhamento político-partidário e o esvaziamento de setores da autarquia, bem como o uso de expedientes autoritários, a prática de desvio de função e o assédio moral – ações, segundo os servidores, destinadas a “agilizar metas incabíveis e interesses ligados ao comércio e exploração ilegal de terras públicas”.

A nota descreve o cenário de fragilidade enfrentado pela superintendência em relação à capacidade de execução das reais demandas e necessidades do público da Reforma Agrária, fruto de reformulações das metas “impostas seja a partir de Brasília, seja a partir dos acordos políticos entre oligarquias agrárias locais visando benefício próprio”.

Além disso, os trabalhadores associam a edição da MP 759 (recentemente transformada em lei, que trata da regularização fundiária urbana e rural e promove alterações em uma série de leis que resguardam políticas públicas ao direito de acesso à terra) a um processo de descaracterização do cabedal jurídico que referencia a atuação da autarquia, comprometendo a execução de rotinas e atividades pelos servidores. “A meta impossível de titulação, associada à desconfiguração do arcabouço jurídico que rege a atuação do Incra, tende a causar paralisação e descontinuidade no desenvolvimento de diversas ações, além do represamento de demandas e risco de execução de procedimentos administrativos de forma irregular”, afirmam.

Confira abaixo a íntegra do manifesto:

NOTA PÚBLICA DOS SERVIDORES DO INCRA SR30

O conjunto dos servidores públicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária de Santarém, Pará, reunidos em assembleia, decidem manifestar-se publicamente em face da atual conjuntura dos acontecimentos em nível regional e nacional. Manifestamos publicamente que:

1- A Superintendência Regional do INCRA em Santarém surge numa tentativa de ordenamento fundiário local frente ao brutal assassinato da missionária Dorothy Mae Stang por grileiros de terras na cidade de Anapu em 2005. Desde sua criação, ainda em 2005, 13 (treze) superintendentes já passaram pela gestão do INCRA em Santarém. Destes, 03 (três) foram afastados por responder a Ações Civis Públicas movidas pelo Ministério Público Federal e 01 (um) foi preso pela Polícia Federal em razão de ilegalidades cometidas no exercício do cargo.

2- Salvo exceções, observa-se que a regra adotada pelos gestores da SR 30 nesses quase 12 anos tem sido a de constante tentativa de implementação de pautas deslocadas das reais demandas e necessidades do público da Reforma Agrária, com prejuízos ao patrimônio público em razão das constantes interrupções e reformulações das metas, impostas seja a partir de Brasília, seja a partir dos acordos políticos entre oligarquias agrárias locais visando benefício próprio.

3- Atualmente, a SR 30 encontra-se com um quadro reduzido e insuficiente de servidores para atuar no vasto território do Oeste do Pará e em mais de 150 projetos de assentamento. Projetos em grande parte sem a execução mínima das políticas públicas essenciais e primordiais que cabe ao Estado e ao INCRA implementar. Diante dessa ausência do INCRA, os assentados veem-se obrigados a deixar seus lotes, significando na prática uma conivência velada com o crime organizado em torno da grilagem de terras e atividades ilegais de extração de madeira e minérios nesses territórios.

4- O INCRA nacional impõe à SR 30 a execução da meta “titulação” desconsiderando viabilidade e a realidade. As 6.000 emissões que compõem a meta, ainda que não seja um quantitativo exacerbado, extrapola a capacidade operacional da regional, e depende da resolução de inúmeras pendências administrativas. Esse volume de emissão de instrumentos de titulação surge da ideia de que todos os assentamentos estão aptos a serem titulados, situação que todos os servidores sabem ser irreal. Assumir esta meta significa paralisar ainda mais o processo de Reforma Agrária no Oeste do Pará, pois os reduzidos recursos humanos e materiais tenderão a ser deslocados para o cumprimento das metas impossíveis.

5- Além disso, a partir da edição da MP 759, convertida ao PLV 12/2017, diversos dispositivos da legislação agrária foram revogados, revogando tacitamente diversos instrumentos normativos internos do INCRA, abrindo uma fase de confusão e insegurança jurídica na execução de rotinas e atividades pelos servidores.

6- A meta impossível de titulação, associada à desconfiguração do arcabouço jurídico que rege a atuação do INCRA, tende a causar paralisação e descontinuidade no desenvolvimento de diversas ações, além do represamento de demandas e risco de execução de procedimentos administrativos de forma irregular.

7- A atual gestão da SR 30, comandada por Rogério Borges Zardo, indicado ao cargo de superintendente pelo deputado federal — cassado pelo TRE — Wladimir Costa (SD/PA), trabalha nos gabinetes para implementar as metas impostas por Brasília, ignorando o contexto local dos assentamentos, ou seja, elevados índices de evasão dos assentados e elevado índice de invasão por grileiros e outros ocupantes que não integram o público da Reforma Agrária.

8- No afã de cumprir a tarefa política posta, a atual gestão da SR 30 se utiliza de diversas ferramentas para constranger e punir servidores. Um dos exemplos mais recentes, foi a relotação sem critério de servidores. A lotação funcional deveria atender unicamente ao interesse público do funcionamento do órgão, e não para satisfazer as conveniências políticas e pessoais de gestores. A esse contexto se acrescenta ainda a tentativa de controle de acesso de servidores ao local de trabalho, a absurda proposta apontada pelo superintendente de revistá-los e a punição de servidores por meio de avaliações irreais, quadro que tende a se acentuar com a situação das metas impossíveis. Ao mesmo tempo, desconhecidos sem qualquer vínculo institucional com o INCRA fazem expediente no Gabinete da Superintendência.

9- A violência no meio rural brasileiro com recorrentes assassinatos de trabalhadores rurais, a negação de acesso a direitos e a perseguição de populações indígenas e quilombolas, guardam íntima relação com a mercantilização das terras públicas trazida pelas pela MP 759 e pelo novo código florestal, que tendem a consolidar um processo de legalização da grilagem introduzido ainda em 2009 com a lei 11.952.

10- A postura dos servidores do INCRA em Santarém pauta-se pelo compromisso com a Reforma Agrária e com a produção familiar de alimentos saudáveis, no caráter técnico do INCRA, no combate ao latifúndio e a grilagem de terras. Por isso, reunidos em assembleia, vimos a público repudiar o aparelhamento político-partidário, o esvaziamento de setores da autarquia, o uso de expedientes autoritários, o desvio de função e o assédio moral contra os servidores, a fim de agilizar metas incabíveis e interesses ligados ao comércio e exploração ilegal de terras públicas.



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