Notícias / Notícias



Titulação dos territórios quilombolas prejudicada pelos interesses do Agronegócio


A Instrução Normativa n° 49, publicada ontem no Diário Oficial, substitui a de número 20, e dificulta o já penoso processo de titulação dos territórios quilombolas, o qual, por sua vez, dá cumprimento ao direito humano constitucional de que trata o art. 68 do ADCT. O agronegócio, a bancada ruralista, as empresas transnacionais e os militares fizeram seus interesses prevalecer perante o Governo Federal, modificando as normas para titulação dos territórios de remanescentes de quilombos.

As dificuldades atualmente encontradas nos procedimentos de titulação não se referem às deficiências de normatização, mas, principalmente, pela pressão exercida pelos setores ligados ao agronegócio, contrários à titulação dos territórios quilombolas Essa força contrária leva à falta de estrutura adequada dos órgãos competentes. É fato notório que o Governo Federal até hoje não dispõem de pessoal capacitado para promover o procedimento de titulação e a elaboração de Relatórios Técnicos. Ressalte-se que as iniciativas do Governo Federal têm sido extremamente tímidas e incapazes de atender à demanda de titulação. Durante o Governo Lula apenas 8 comunidades, de um universo de três mil, foram tituladas.

A nova instrução normativa teve sua modificação realizada através de um conturbado e não democrático processo conduzido pela Advocacia Geral da União e pela Casa Civil da Presidência da República. A AGU, sob as alegações de que fazia cumprir a convenção 169 da OIT, realizou uma pseudo consulta pública para outorgar suas deliberações pré-constituídas perante o movimento quilombola. Na consulta a AGU, assim como a Casa Civil, não cederam em qualquer ponto relevante de seus entendimentos, rejeitando as sete principais propostas dos quilombolas, assim como não deram tempo e nem condições materiais para que o movimento quilombola pudesse refletir sobre o documento que se pretendia debater. A grande parte das propostas do Governo foi rejeitada pelo movimento quilombola. (Leia as propostas do movimento quilombola)

Com esta mudança as comunidades quilombolas não têm mais respeitado o seu direito de auto-identificação, conforme preconiza a Convenção 169 da OIT e o Decreto 4887/03. Até para requerer a abertura do processo de titulação de seu território precisam que a Fundação Cultural Palmares lhes diga se são ou não remanescentes de quilombos. A mudança no procedimento administrativo de titulação dos territórios chegou mesmo a violar a liberdade de profissão do antropólogo, quando a este pré-dermina a elaboração de um relatório antropológico demasiada e injustificadamente complexo e burocrático. A Associação Brasileira de Antropologia também já havia se manifestado tecnicamente contra a publicação da nova instrução normativa

O Poder Judiciário tem confirmado a constitucionalidade do Decreto 4.887, assim como vinha fazendo com relação à Instrução Normativa n° 20 e como vem fazendo com aplicabilidade da Convenção 169 da OIT às comunidades quilombolas. A mudança da instrução normativa em nada contribuirá com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo DEM contra o Decreto Presidencial 4887/03 que determina a realização da titulação pelo INCRA, como justificou a AGU.

O novo procedimento administrativo vem consolidar um entendimento que já está explicito na forma com que o Governo Federal vem tratando a questão da regularização fundiária de territórios tradicionais, em especial os das comunidades remanescentes de quilombo. Muitos recursos, atenção e dedicação ao agronegócio, ao agrocombustível, à monocultura que concentra renda e gera desigualdade social. Para os povos tradicionais do Brasil algumas migalhas, pouca terra, ou no máximo a que sobrar, recursos públicos inacessíveis e a sorte de continuar a sobreviver como estão acostumados: às custas de suor, sangue e lágrimas.



Ações: Quilombolas

Eixos: Terra, território e justiça espacial