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“Se o PL do Pacote do Veneno for aprovado vamos abrir a brecha para o caos”, aponta Larissa Bombardi


Para a docente da USP, a flexibilização das regras de uso dos agrotóxicos deve impactar campo e cidade e agravar um cenário já alarmante intoxicação da população brasileira.

De acordo com Larissa, para cada caso identificado de intoxicação ao agrotóxico, há 50 casos não notificados.

No período de 2007 a 2014 cerca de 25 mil brasileiros foram intoxicados por exposição aos agrotóxicos no país. Os dados, uma estimativa do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), embora sejam alarmantes, ainda não apresentam a dimensão do grave problema social: há uma subnotificação dos casos.

Profissionais da saúde possuem dificuldades em associar os sintomas, comuns à várias doenças, à intoxicação. Outra dificuldade reside no fato de que os registros consideram apenas casos agudos e não contabilizam a ocorrência de doenças crônicas resultantes da exposição cotidiana aos insumos quimicos. Há também a não procura ao Sistema Único de Saúde (SUS) pelo cidadão intoxicado. O problema se coloca com tamanha gravidade que estima-se que para cada notificação de pessoa intoxicada por agrotóxicos há outras 50, desta forma estima-se que neste periodo 1,25 milhao de pessoas foram intoxicadas.

A possibidade de intensificação deste grave quadro social está mais presente com o avanço da tramitação do PL 6299/2002 na Câmara dos Deputados. No dia 25 de junho, a majoritária bancada de 20 ruralistas na Comissão Especial sobre Defensivos Agrícolas da Câmara Federal, um colegiado de 26 membros, demonstra a ação articulada entre parlamentares e setor de insumos quimicos para ampliaçao do lucros, sem o devido debate público e escuta às diversas manifestações contrária ao PL, entre eles a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A portas fechadas os parlamentares deliberaram favoravelmente pela alteração em profundidade a legislação para plantio, comercialização e fiscalização dos agrotóxico. “Se esse projeto de lei [PL 6299] for aprovado vamos abrir a brecha para o caos”, a pesquisadora Larissa Mies Bombardi, do Laboratório de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP). O PL segue para apreciação pelo plenário da Câmara.

Autora do atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, de 2017, que mapeia o uso dessas substâncias em todo o país e o compara com o uso nos países da União Européia, e docente Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo conversou com a Terra de Direitos no dia seguinte à votação do PL 6299.  Na ocasião, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados para análise do Projeto de Lei 6670/16, que propõe a criação da Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos (PNARA), realizou uma adiência pública para discussão sobre a implementação de ações que contribuam para a redução progressiva do uso de agrotóxicos e amplie a oferta de insumos de origens biológicas e naturais. “a gente quer outro pacto de sociabilidade, quer outro pacto de produção de alimentos”, destaca Larissa.

Acompanhe abaixo a entrevista na íntegra.

Terra de Direitos: No Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia (FFLCH - USP, São Paulo, 2017), você aponta uma subnotificação de registros de casos de contaminaçao por agrotóxicos,  presente também pelo fato de que alguns sintomas são semelhantes à outras doenças. Considerando que a cada 2 dias e meio uma pessoa morre intoxicada por agrotóxicos, sem considerar doenças crônicas, qual é a real dimensão da contaminação da população brasileira?
Larissa:
  A real dimensão é que em números oficiais a gente teve 25 mil intoxicações por agrotóxicos entre 2007 a 2014. O cálculo que se faz é para cada caso notificado a gente tenha outros 50 casos não notificados. Então, provavelmente a gente teve um milhão, duzentos e cinquenta mil pessoas intoxicadas no Brasil neste período recente.

Terra de Direitos: Considerando que vivemos uma fragilização progressiva da política pública na área de saúde, com deslocamento de recursos da área, por exemplo, para a propaganda oficial, como avalia a possibilidade de intensificação da contaminação por agrotóxicos com a liberação irestrita pela aprovação do PL nº 6299/2002, nomeado de “Pacote do veneno”? Larissa: Tem uma dupla ponta de iceberg quando a gente fala em dados de intoxicação porque é um dado que a gente não tem noção de quantas pessoas foram, na verdade, intoxicadas e esse outro aspecto é o [de identificaçao de intoxicação em pessoas com] das doenças crônicas, que conseguimos identificar apenas em estudos de caso.

Espero que o PL não passe na votação na Câmara, mas se ele ele passar vamos fragilizar num nível extermo a população em relação a essa substância, porque a gente já está fragilizado nas duas pontas: no campo, porque a gente usa em quantidades incomensuráveis. O Brasil é o campeão mundial em uso de agrotóxicos. Em alguns estados chega a 12 a 18 kg por hectare. Cerca de um terço dos agrotóxicos permitidos no Brasil são proibidos na União Européia. Então a gente tem um aspecto muito permissivo no campo que vulnerabiliza a população rural, mas não só os trabalhadores rurais mas a populaçao do campo como um todo, porque a gente tem a prática de pulverização aérea que é pemitida no Brasil. Então a gente tem um quadro de contaminação no campo, mas do outro lado, quando a gente vê a população urbana também vemos uma contaminação porque somos muito permissivos na quantidade de resíduos que nos autorizados nos alimentos e na água. Se compararmos com a União Européia, por exemplo, para o feijão permitimos 400 vezes mais o malatioma, um inseticida, do que a União Européia. Se esse projeto de lei [PL 6299] for aprovado vamos abrir a brecha para o caos. Numa condição em que a gente está precisando, entre outras coisas, de uma preparação dos profisisonais da saúde, de ter um atendimento especializado para pessoas expostas à agrotóxicos, se retirar verba desse quadro vai se estabelecer o caos porque vai fragilizar tanto a exposição quanto no antendimento.

Terra de Direitos: Ao mesmo tempo em que a gente tem altos índices de contaminação, há parcelas da sociedade em silencio e até mesmo que acolhem o argumento da bancada ruralista de que os agrotóxicos são necessários para a produção de alimentos. Com os altos índices de intoxicação existentes, como o argumento de que os agrotóxicos se sustenta como algo necessario e até mesmo positivo?
Larissa:
Esse argumento é utilizado desde o início da Revolução Verde, desde quando a agricultura passou a ser dependente de insumos químicos. O problema é que a gente não está necessariamente produzindo alimentos, a gente está produzindo commodities e agroenergia. Se olhar para alimentos da alimentaçao brasileira, o arroz, feijão, a mandioca e trigo, eles a produção em àrea diminuiu no último período. Em compensação, a àrea para plantio de soja, eucalipto, etc, aumentou. Na verdade, se utiliza o argumento do uso do agrotóxicos para a produção de alimentos, mas não falamos de alimentos voltados para a alimentação da população brasileira.

Terra de Direitos: O aumento no uso de agrotoxicos pode também afetar a comercializaçao de produtos voltados para exportaçao?
Larissa
: É uma hipótese. A médio e longo prazo pode trazer impactos econômicos, inclusive.

Terra de Direitos: Qual é papel que o agrotóxico desempenha para sustentaço do modelo de agricultura voltada para grandes extensões e monoculturas?
Larissa
: Tem um papel fundamental porque esse modelo de agricultura sustentado em monocultura, em grandes extensões de terra, é um modelo que depende de insumos, porque você altera o mecanismo do solo operar naturalmente. Por exemplo, em grandes áreas você vai passar um maquinário pesado  e com isso vai diminuir os poros existentes no solo. Então vão aparecer fungos e voce entra com fungicida. Vai colocar uma espécie só [um só cultivo] em vasta área e então os insetos virão, diferente de quando voce tem uma agricultura consorciada, com varias espécies próximas, há toda uma diversidade para os insetos e eles não vao atacar diretamente porque nem é possivel porque está tudo misturado.

Terra de Direitos: A audiência pública na Câmara sobre redução de consumo de agrotóxicos ocorre no dia seguinte à aprovaçao do parecer favoravel do deputado federal Luiz Nishimori (PR/PR) sobre o Projeto de Lei 6299/2002 pela Comissão Especial sobre Defensivos Agrícol que flexibiliza regras para uso, consumo, fiscalização e comércio de agrotóxicos.  Esta audiência assume que caráter?
Larissa:
É simbolico no sentido da resistência e conscientização. Isso mostra que a sociedade está organizada, está pressionando para dizer que não quer aquilo [o PL 6299]. É justamente o outro lado da gangora: a gente quer outro pacto de sociabilidade, quer outro pacto de produção de alimentos.

Terra de Direitos: Como o PnaRa traz outro modelo de relação com meio ambiente, com os sujeitos e de produção de alimentos?Larissa: Ele se contrapõe na proposta de reduzir sistematicamente o uso de agrotóxicos e por outro lado financiar e viabilizar outro modelo de agricultura, uma agricutura de base orgânica e agroecológica.



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

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