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Mais um passo na luta do Paiol de Telha: Titulação parcial prevista para abril


Cerca de duzentas(os) integrantes da comunidade quilombola Invernada Paiol de Telha, no Paraná, receberam nesta segunda (5) uma comissão de servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para tratar da titulação do território tradicional da comunidade. O diretor de estrutura fundiária da autarquia, Rogério Arantes, o coordenador geral de Regularização de Territórios Quilombolas, Antônio Oliveira, acompanhados do Superintendente do Incra Paraná, Walter Pozzobom, entre outros servidores, estiveram na comunidade.

Os representantes do órgão, que chegaram ao local com mais de duas horas de atraso,  informaram à comunidade que em até dois meses, se não houver algum problema burocrático, deverão ser realizadas as primeiras titulações das terras. Até o momento, o estado do Paraná – que conta com 38 comunidades reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares – não tem nenhuma área quilombola titulada.

A reunião ocorreu no território tradicional da comunidade, chamado de Fundão, localizado no município de Reserva do Iguaçu, região centro-sul do estado. Quilombolas do Paiol de Telha foram violentamente expulsos das terras tradicionais entre as décadas de 1960 e 1970, e desde então lutam para retomar o território que conquistaram originalmente em 1860, quando o receberam por doação testamentária após a morte da escravocrata Balbina de Siqueira. Atualmente uma pequena parte da comunidade vive no Fundão. Em abril de 2015, foram ocupadas partes das terras como forma de pressionar o Incra a realizar a titulação.

Marco temporal: violência desmedida

A titulação do território da comunidade é emblemática, pois enfrenta questões que serão discutidas no STF em 8 de fevereiro, com o julgamento da ADI 3239. A comunidade Paiol de Telha foi totalmente expulsa de suas terras no ano de 1975, por ações de pistoleiros.

A seguir a proposta de aplicação do marco temporal, nos termos do voto apresentado pelo Ministro Dias Toffoli na ADI 3239, o Paiol de Telha não teria direito à titulação, pois em 5 de outubro de 1988 a comunidade não estava ocupando suas terras tradicionais em função da expulsão violenta. Na avaliação dos quilombolas, a titulação que se aproxima em favor do Paiol de Telha é prova de que a aplicação do marco temporal é uma violência desmedida contra comunidades quem empreendem lutas centenárias pela sobrevivência em uma sociedade estruturada pelo racismo.

Para Fernando Prioste, advogado popular da Terra de Direitos, o  caso do Paiol de Telha “é uma importante referência de que só é possível resolver os conflitos fundiários com o reconhecimento de direitos. Diferente do que afirmou o Ministro Dias Toffoli em seu voto, a paz social não ocorrerá se os grupos sociais secularmente oprimidos não tiverem seus direitos reconhecidos".

Dona Vanda, Quilombola do Paiol de Telha, disse aos representantes do Incra durante a reunião que "os brancos nos chamam hoje de invasores, mas invasores são eles que roubaram nossas terras", apontando que nem a possibilidade de aplicação do marco temporal pelo STF impedirá a luta quilombola de continuar.

Naiara Bittencourt, advogada popular da Terra de Direitos, afirma que "a comunidade está cercada pelo agronegócio, que a ataca envenenando fontes de água, animais e as pessoas que vivem naquelas terras, principalmente por meio da aplicação intensiva se agrotóxicos nas lavouras de soja". Para a advogada, a superação dessa situação "depende da titulação integral do território da comunidade, para que possam desenvolver modelos agroecológicos de produção e barreiras à aplicação de agrotóxicos".

A titulação que se avizinha na longa caminhada de lutas do Paiol de Telha está longe de resolver os problemas fundiários da comunidade, ressaltam os advogados populares. A titulação prevista para os próximos dois meses será parcial: serão titulados quase 200 hectares para aproximadamente trezentas famílias, que têm direito a mais de 1.400 hectares de terras. A continuidade da titulação, no entanto, não tem data para continuar, pois o Incra afirmou que não há orçamento para obtenção dos demais imóveis.

A morosidade nas titulações de terras quilombolas foi denunciada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em outubro de 2017, quando movimentos sociais apresentaram fundamentos que revelam que a política pública de titulação dos territórios ainda está muito aquém da expectativa de execução do direito constitucional a elas assegurado, uma vez que se estima serem necessários 600 anos para a titulação de todos os territórios quilombolas.



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Ações: Quilombolas

Eixos: Terra, território e justiça espacial