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Cenas de um conflito permanente: Pau D’arco como exemplo de violência e avanço do agronegócio


Confira artigo publicado na última edição do jornal Resistência, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), sobre o Massacre de Pau D’Arco, suas origens e consequências.

O texto – assinado pelo assessor jurídico da Terra de Direitos Pedro Martins e por Andréia Silvério, advogada da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – ressalta que a parte sul do estado tem sido, há muitos anos, palco de disputas territoriais que estão vinculadas a dois elementos centrais: a terra e o trabalho. O agronegócio cresce na região a partir do uso de amplas extensões de terras para a produção de commodities e de mão de obra muitas vezes violentada.

Os autores afirmam, ainda, que caso as investigações do Massacre de Pau D’Arco, que vitimou 10 trabalhadores rurais em maio, prossigam conforme o esperado, será possível desmascarar um esquema histórico que envolve agentes do Estado e latifundiários.

“As instituições do sistema de Justiça não podem ficar intocadas e dormindo com a certeza da impunidade. Afinal, tornar o Sul do Pará palco de inúmeros massacres não deve cair apenas na conta de executores, mas de quem estruturalmente permite, com fé pública, que os mandantes sigam impunes e ‘produtivos’”, defendem.  

Leia abaixo o artigo na íntegra.

 

 

 

 

 

Cenas de um conflito permanente: Pau D’arco como exemplo de violência e avanço do agronegócio

 

Pedro Martins[1]

Andreia Silvério[2]

 

O massacre de Pau D’arco ocorrido em 24 de maio de 2017, que vitimou 10 trabalhadores rurais, representa um traçado cenário da violência empreendida pelo agronegócio e sua influência sobre as forças do Estado. Dentre as vítimas fatais, algumas vinham de tentativas frustradas de destinação de terras no Sul do Pará para a reforma agrária, e ocupavam anteriormente área reivindicada pela famosa JBS SA, empresa gigante envolvida nos esquemas escandalosos da política brasileira.

As trajetórias de vida dos trabalhadores assassinados e da liderança Jane Júlia compõem um cenário de desigualdade e conflito na região. Peões, professoras, pedreiros, cabeleireiras, empregadas domésticas, as famílias ocupantes acompanhavam frentes de deslocamento para a região que continuam partindo do Maranhão, Piauí, Goiás, Tocantins e Minas Gerais. As famílias, como tantas outras da região, transitavam entre os núcleos urbanos e as fazendas, em trabalhos precarizados no setor de serviços e no trabalho rural.

No Sul do Pará, novas disputas territoriais sobre o tecido fundiário historicamente conflituoso põem sempre em questão dois elementos fundamentais do desenvolvimento: a terra e o trabalho. A dita modernização da cadeia de produção de commodities agrícolas se sustenta em bases arcaicas e perpetua estruturas de violência para benefício do agronegócio.

A Federação de Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa), representante do agronegócio, apontava em 2014 que o Pará possuía 30 milhões de hectares potenciais para pastagem. As especulações sobre os investimentos no estado servem para aquecer um mercado de terras, mesmo que estas sejam públicas e griladas. Cresceu o olhar do agronegócio sobre o preço da terra no Sul do Pará, que chegava a ser oito vezes menor do que no Mato Grosso, onde a fronteira agrícola estava mais avançada.

Pau D’arco e os municípios vizinhos como Redenção, Rio Maria e Santa Maria das Barreiras apresentam imóveis rurais de grandes dimensões, latifúndios de 5.000, 10.000 e até 20.000 hectares que se mantêm intocados diante do esfacelamento da Política Nacional de Reforma Agrária. Os conceitos de produtividade, de posse e mesmo de validade do título desses imóveis são alargados e deturpados pelo próprio Incra e por órgãos do sistema de Justiça para a manutenção da desigualdade no campo.

As investigações do Massacre de Pau D’arco, que agora caminham para suas conclusões, carregam a expectativa de desmascarar um esquema que pode relacionar os executores aos seus poderosos mandantes, numa escancarada atuação de agentes do Estado em favor do latifúndio.

As instituições do sistema de Justiça não podem ficar intocadas e dormindo com a certeza da impunidade. Afinal, tornar o Sul do Pará palco de inúmeros massacres não deve cair apenas na conta de executores, mas de quem estruturalmente permite, com fé pública, que os mandantes sigam impunes e “produtivos”.

Com um setor do “boi e da bala” fortalecido com a instabilidade política do país, a ideia de Justiça só se concretiza com a destinação das terras griladas para o benefício da reforma agrária, atendendo às demandas das famílias acampadas em busca de terra e trabalho.

 


[1] Advogado popular da Terra de Direitos

[2] Advogada popular da Comissão Pastoral da Terra - CPT



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Ações: Conflitos Fundiários

Eixos: Terra, território e justiça espacial